A prosa de Calvino é de uma limpidez prodigiosa, e isto é tanto mais importante quando essa prosa serve a uma enorme imaginação. Na literatura fantástica contemporânea, Calvino pertence àquela escola comparável à de pintores como Dali ou Magritte: visões extraordinárias reproduzidas com precisão fotográfica.
Calvino começa definindo o que caracteriza a exatidão:
1) um projeto de obra bem definido e calculado;
2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis;
3) a linguagem mais precisa possível como léxico, para traduzir as nuances do pensamento e da imaginação.
Para demonstrar sua tese ele toma, quase como redução ao absurdo, o exemplo de Leopardi, o grande poeta italiano, para quem a linguagem seria tanto mais poética quanto mais vaga e imprecisa fosse.
Citando textos do Zibaldone, Calvino mostra a imensa meticulosidade e precisão com que Leopardi descreve os incontáveis e “imprecisos” jogos da luz diurna e noturna sobre uma paisagem ou sobre um casario, e conclui:
“Para se alcançar a imprecisão desejada, é necessário a atenção extremamente precisa e meticulosa”.
Ele cita como modelo de perfeição o cristal, que concentra em si a beleza das formas e proporções geométricas. Mas complementa esta imagem com outra, extraída do crítico Massimo Piattelli-Palmarini, que assim define os modelos para o processo de formação dos seres vivos:
“De um lado o cristal (imagem de invariância e de regularidade das estruturas específicas), e de outro a chama (imagem da constância de uma forma global exterior, apesar da incessante agitação interna).”
Quando vemos uma chama, sabemos que aquilo é simplesmente uma área do espaço preenchida por um campo de minúsculas explosões, ou combustão de gases. Sabedores disto, nossa visão do cristal se modifica, pois admitimos que ele, também, é uma área do espaço preenchida por um turbilhão de átomos.
A bela dualidade sugerida por Palmarini não deixa de nos evocar também, como síntese, o verso de Manuel Bandeira: “A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos”.
A linguagem inexata nos empobrece; a exatidão nos revela um mundo de inesgotável riqueza e variedade.
Calvino observa uma curiosa vocação para “o exercício de descrições” na poesia de William Carlos Williams, Marianne Moore (a dos “jardins imaginários cheios de sapos verdadeiros”), Eugenio Montale e Francis Ponge, “poeta que se bate com a linguagem para transformá-la numa linguagem das coisas”.
Por mais que venha a ser exata, a palavra, tal como a aritmética e a geometria, jamais dará conta da infinita variedade e mutabilidade do mundo.
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