terça-feira, 8 de abril de 2008

0356) Calvino e a exatidão (11.5.2004)





Ao começar a ler as Seis propostas para o próximo milênio de Ítalo Calvino, e ao ter conhecimento das seis coordenadas estilísticas que ele propunha (leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência), pensei de imediato que a exatidão seria a que eu instintivamente mais associava ao nome do escritor. 

A prosa de Calvino é de uma limpidez prodigiosa, e isto é tanto mais importante quando essa prosa serve a uma enorme imaginação. Na literatura fantástica contemporânea, Calvino pertence àquela escola comparável à de pintores como Dali ou Magritte: visões extraordinárias reproduzidas com precisão fotográfica.

Calvino começa definindo o que caracteriza a exatidão: 

1) um projeto de obra bem definido e calculado; 

2) a evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis; 

3) a linguagem mais precisa possível como léxico, para traduzir as nuances do pensamento e da imaginação. 

Para demonstrar sua tese ele toma, quase como redução ao absurdo, o exemplo de Leopardi, o grande poeta italiano, para quem a linguagem seria tanto mais poética quanto mais vaga e imprecisa fosse. 

Citando textos do Zibaldone, Calvino mostra a imensa meticulosidade e precisão com que Leopardi descreve os incontáveis e “imprecisos” jogos da luz diurna e noturna sobre uma paisagem ou sobre um casario, e conclui: 

“Para se alcançar a imprecisão desejada, é necessário a atenção extremamente precisa e meticulosa”.

Ele cita como modelo de perfeição o cristal, que concentra em si a beleza das formas e proporções geométricas. Mas complementa esta imagem com outra, extraída do crítico Massimo Piattelli-Palmarini, que assim define os modelos para o processo de formação dos seres vivos: 


“De um lado o cristal (imagem de invariância e de regularidade das estruturas específicas), e de outro a chama (imagem da constância de uma forma global exterior, apesar da incessante agitação interna).” 

Quando vemos uma chama, sabemos que aquilo é simplesmente uma área do espaço preenchida por um campo de minúsculas explosões, ou combustão de gases. Sabedores disto, nossa visão do cristal se modifica, pois admitimos que ele, também, é uma área do espaço preenchida por um turbilhão de átomos. 

A bela dualidade sugerida por Palmarini não deixa de nos evocar também, como síntese, o verso de Manuel Bandeira: “A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos”.

A linguagem inexata nos empobrece; a exatidão nos revela um mundo de inesgotável riqueza e variedade. 

Calvino observa uma curiosa vocação para “o exercício de descrições” na poesia de William Carlos Williams, Marianne Moore (a dos “jardins imaginários cheios de sapos verdadeiros”), Eugenio Montale e Francis Ponge, “poeta que se bate com a linguagem para transformá-la numa linguagem das coisas”. 

Por mais que venha a ser exata, a palavra, tal como a aritmética e a geometria, jamais dará conta da infinita variedade e mutabilidade do mundo.  










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