terça-feira, 8 de abril de 2008

0358) Calvino e a visibilidade (13.5.2004)



Italo Calvino vê dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem (quando lemos um livro e visualizamos suas descrições , p. ex.) e o que parte da imagem para chegar à palavra (quando presenciamos um fato ou vemos um filme, e tentamos descrevê-lo). 

O pensamento verbal, analítico, se realimenta constantemente com a nossa percepção e nossa memória visual. Ser capaz de visualizar o inexistente é uma arte, e ele abre sua conferência sobre “Visibilidade” nas Seis propostas para o próximo milênio citando Dante, poeta universalmente louvado por sua impressionante capacidade de imaginar o fantástico. 

Diz ele (Purgatório, XVII, 25): “Chove dentro da alta fantasia...” A imaginação é um lugar onde as imagens parecem chover, chegar até nós.

A visibilidade a que Calvino se refere é mais a capacidade de fazer ver com a mente do que a de fazer ver com os olhos, mas as duas estão ligadas. Calvino descreve a gênese de muitas de suas obras como uma imagem visual que brota sem explicação: um homem que só tem a metade esquerda do corpo; um homem que vive andando de árvore em árvore, sem tocar o chão; uma armadura vazia, mas que fala e anda. 

O que acontece em seguida é o desenvolvimento de uma voz narrativa adequada a essa imagem, e essa empostação verbal vai se apossando do escritor à medida que ele desenvolve o texto, não restando à imaginação visual senão seguir a reboque das palavras. A imagem visível deflagra o processo criativo, que a partir daí é administrado pela carpintaria verbal.

Calvino é um dos escritores contemporâneos que mais freqüentam e melhor entendem o mundo da Ciência. Sem aceitar a falácia da oposição entre Ciência e Arte, ele afirma sensatamente que a mente do poeta e a do cientista funcionam de maneira muito semelhante, propondo-se problemas e resolvendo-os através de um processo de associação de imagens, que para ele é “o sistema mais rápido de coordenar e escolher entre as formas infinitas do possível e do impossível.” 

É um raciocínio intuitivo e instantâneo muito parecido ao dos jogadores de xadrez (ver “Xadrez sem mestre”, 31.5.2003; “O xadrez e o repente”, 14.9.2003). A fantasia é para ele “uma espécie de máquina eletrônica que leva em conta todas as combinações possíveis e escolhe as que obedecem a um fim. Ou que simplesmente são as mais interessantes, agradáveis ou divertidas”.

O Autor recorda a infância, quando mergulhava nas histórias em quadrinhos dos jornais italianos (Sobrinhos do Capitão, Gato Félix, etc.), antes mesmo de saber ler, inventando os diálogos ou interpretando as situações de acordo com as figuras – processo que retomou depois ao usar o Tarot e a pintura clássica para sugerir o enredo de O castelo dos destinos cruzados

É interessante que a maior parte dos narradores intuitivos prefira usar pontos-de-partida visuais, aleatórios, carregados de conteúdo emocional, e em seguida elaborá-los verbalmente.





Um comentário:

Justbymyself disse...

Grande Bráulio

Lá se vai o tempo e você, provavelmente, não recordará dos nosso breves encontros na Bahia, lá pelos setenta, nas encruzilhadas do teatro. Sou o Guetz, àquela época metido a lidar com a cenografia.
Continuo, hoje, curioso acerca dessa história do espaço na cena, e a visibilidade em Calvino tem sido uma "cachaça", dessas que você toma e "alumia" o caminho.
Palavra-imagem-palavra, esse ciclo sempre me intrigou. Fronteiras entre Arte, Ciência, e crença, também me atrasam o sono.

Calvino é um presente, estava eu "browseando" em busca de alguma pincelada e encontrei seu blog.

Parabéns e sucesso

Eduardo (guetz)Tudella
etudella@terra.com.br