(ilustração: Sujit Sudhi)
Outro exemplo, mas com características totalmente
diversas, é o filme O Terminal (Steven
Spielberg, 2004). Tom Hanks faz o papel de um cidadão de um pequeno país em
turbulência política. Ao desembarcar no aeroporto de Nova York, ele fica
sabendo que devido a um golpe de Estado seu país não existe mais, e seu
passaporte não tem valor. Ele não pode embarcar de volta, não pode ser aceito
em território dos EUA, não pode embarcar para outro lugar. Fica morando no
não-espaço do aeroporto.
Um local de passagem, de fluxo, onde ele é forçado a
criar técnicas e truques de morador permanente.
O não-espaço pode ser escolhido por motivos publicamente
aceitáveis. É o caso do protagonista de Simão
do Deserto (Luís Buñuel, 1965), uma reconstituição fantástica da vida de
alguns santos medievais, principalmente Simão Estilita, que passou 37 anos
vivendo no alto de uma pilastra. O santo se isola ali no alto para se
martirizar, para fugir às tentações do mundo, e também para servir de exemplo,
pois multidões se reúnem para assistir o “não-espetáculo”.
A coluna do santo faz lembrar outro conto de Guimarães
Rosa, no mesmo livro: “Darandina”. Um homem chega a uma Casa de Saúde ou
hospício e pede para ser internado, pois acha que o mundo lá fora está ficando
cada vez mais louco e se o destino dele é ficar doido também é melhor garantir
desde logo um bom lugar. Como o homem não parece doido coisa nenhuma, não é
aceito; mas imediatamente vai para o meio da rua, rouba pertences dos passantes
e escala uma enorme palmeira que há na praça.
Lá em cima, o homem grita frases de efeito para a
multidão que rapidamente se reúne, e acaba tirando a roupa por completo e
jogando-a lá do alto. Os bombeiros vêm mas hesitam, com medo de que ele se
jogue, mas de repente o surto acaba, ele se horroriza e desce de boa vontade.
O alto da palmeira é um não-espaço, um lugar onde alguém
só subiria para cumprir alguma tarefa rápida e descer em seguida. É um lugar
onde ninguém é proibido de ir, mas só um doido quereria se demorar ali em cima.
O pior, porém, foi quando me debrucei sobre a sacada. Diante e embaixo de mim, não havia coisa alguma, a não ser o vácuo impalpável e aterrador. Dir-se-ia que a vida material tivesse desaparecido, além daquele peitoril e que não existisse a própria cidade. Acima, de mim, a mesma coisa. Senti, então, o maior medo de toda a minha vida, pois pensei que estivesse cego. O grito que quis dar não saiu da minha garganta, e foi com a mão trêmula que acendi o isqueiro...Graças a Deus, não estava cego... Estava vendo tudo que se encontrava DENTRO do quarto, mas coisa alguma que estivesse FORA dele.Que se passava?Corri para a porta e abri-a, bruscamente.Não sei o que se teria passado, se eu não tivesse recuado instintivamente. Dessa vez, gritei mesmo, e senti um suor frio escorrer-me ao longo da espinha. O que se estava passando era fantasmagórico, alucinante. Para além da porta não havia mais o corredor. Em seu lugar estava o nada, o vácuo, o infinito, o desconhecido...
Este tipo de não-espaço não tem verossimilhança científica, e é produzido apenas para efeito dramático. (Praticamente tudo na pulp fiction visa apenas ao efeito dramático, e a Ciência que vá pastar.)
Um comentário:
Um não-espaço é o daquele verso que diz:
Marinheiro acordou e tinha que se espantar
Alguém levantou mais cedo e roubou o céu e o mar
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