terça-feira, 24 de dezembro de 2019

4535) Natal 2019 (24.12.2019)




1
... e quando o fim acopla-se ao começo,
e a serpente abocanha a própria cauda,
e o escritor, na derradeira lauda,
põe “Capítulo 1” no cabeçalho,
o riverão retoma o seu atalho,
riocorrente em busca, ruminando
rumo... ao futuro? Ao Sempre? Ao Quase-quando?
Não sei. É mais um ano que se encerra,
mais uma volta da precária Terra
em torno deste Sol que nos bronzeia.

2
Quem dera o Sol fosse uma Lua cheia
de luz e enlevo, brisa e maresia...
Quem dera a vida fosse essa poesia
que nada prova, e tudo justifica!
Um poema revela, e não explica;
a canção é o que faz, mais que o que diz.
Uma canção nos salva de um país;
só nos resta este bálsamo, este unguento;
isso que chamam de “pertencimento”
(e nunca vi na enciclopédia Barsa...).


3
Em cada alô, um vírus se disfarça.
Em cada adeus, o som da guilhotina.
Não é de hoje... a quadra natalina
parece um longo Dia de Finados
e a nostalgia dos antepassados
nos faz franzir o cenho ante o futuro...
Mas este vinho é muito bom, eu juro.
E nada é tão real quanto os sentidos.
Quem quiser que lamente os tempos idos:
eu brindo a quem se foi, mas vivo o instante.

4
A vida vai de minerol infante
(dizia Rosa, em sua “Tutaméia”)
e sempre foi assim, tosca, plebéia,
negociada em trancos e barrancos;
e a gente rala, sustentando os Bancos
(o Nosferatu da economia
que não pode sair à luz do dia
pra não ganhar a roda, o pelourinho)
e se o que sobra nos custeia um vinho...
como negar que ainda estou no lucro?

5
Pois seja o Tempo esse cavalo xucro
corcoveando no curral do Agora,
tentando me atirar, longe, lá fora,
nos além-cercas da Eternidade...
Eu me agarro na sela com vontade
de mais solstícios e mais equinócios,
e digo ao Tempo assim: “Sejamos sócios!
Se me poupares, te darei bom uso!”
E o Tempo gira como gira um fuso.
E a resposta me dá: “Outro dezembro.”

6
Sei que tudo será tal como lembro.
Ou não? Qual a hipótese pior?
As lenga-lengas que direi de cor
ou o salto no susto, no imprevisto?
É no Natal que o mundo passa Cristo
no cobre, e deixa dez para o garçom. 
Foi este o mundo que me deu o tom,
é essa a bolsa a que forneço o dízimo,
e ninguém venha com lições de abismo:
estou cavando no fundo do poço.

7
Mas pra que tanta briga e alvoroço,
tumulto de emoções contraditórias,
esperanças, humilhações, vanglórias,
a nefanda “cantiga da perua”...
Olha o mundo passando. Olha essa rua
a mesma que cruzaste de outras vezes;
cada rodada de mais doze meses
te traz de volta ao velho sempre novo,
este país de pólvora e de povo
onde a cada Natal aumenta o preço...










Um comentário:

Marcos Nunes Filho disse...

Surpreendeu-me o seu domínio das técnicas poéticas, da métrica e da rima, hoje tidas como ultrapassadas. Reparei na rima em "eço" no primeiro e no último verso. Recentemente escrevi um longo poema (300 versos) sobre classicismo e modernismo. Está neste link do site Recanto das Letras.

https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6787043

Dias atrás vi todas as matérias deste seu excelente blog, pois estou coletando na net textos bestialógicos, nonsense, surrealistas, etc. Coloquei-o nos meus Favoritos.

Um abraço fraterno, Feliz Natal e um excelente Ano Novo.