O futebol é bom quando nos leva para as fronteiras do
impossível. Aquelas jogadas que ninguém tinha imaginado até que um moleque
ousado as inventa. Aquelas campanhas que de semana em semana vão construindo a
ascensão impensável de um time sem nada especial a não ser o fato de que está fazendo
o que ninguém fez.
Ou então as grandes viradas – como a do Barcelona hoje à
tarde, eliminando o Paris Saint Germain num duelo da Champions League. Tendo
perdido o primeiro jogo em Paris por 4x0, o Barcelona precisava de 5x0 pra se
classificar. Chegou a fazer 3x0, mas quando o PSG diminuiu pra 3x1 aí a
contagem de gols (o PSG havia acabado de marcar o famoso “gol no campo do
adversário”, que tem peso diferenciado) dizia que ele precisava fazer 6x1.
E faltavam apenas, o que? Trinta minutos? É difícil fazer
três gols em 30 minutos num dos melhores times da Europa. Pois os três gols
decisivos do Barcelona foram feitos nos últimos 7 minutos.
Neymar, repetindo uma cobrança de falta que ele traz
pronta no bolso (lembram o gol na Alemanha, no Maracanã, na decisão do ouro
olímpico de 2016?).
Depois, Neymar de pênalti – um pênalti muito mal marcado,
aliás.
E por fim Neymar cruzando um bola sobre a área e achando
Sergi Roberto do lado oposto pra fazer o que a imprensa está chamando “o gol do
milagre”.
Bem, a imprensa toda vai dissecar o jogo pelas próximas
semanas, Vou falar das entrelinhas do jogo.
Os dois pênaltis a favor do Barça foram no mínimo
duvidosos, mas os saites que olhei até agora (L’Équipe, França; ESPN Soccer,
Inglaterra; Mundo Deportivo, Espanha) mal tocaram no assunto. Qualquer pessoa
que entenda de futebol sabe que o resultado, por milagroso que pareça, não foi
mais do que justo.
O presidente do PSG, Nasser Al-Khelaifi, disse depois do
jogo: “Mesmo tendo havido dois pênaltis não marcados a nosso favor, isso não serve
de desculpa. A gente não jogou nada no primeiro tempo. E estava perdendo de 3x1
até os 43 minutos. Levar três gols em sete minutos é demais.”
Fosse no Brasil, já teriam sido emitidas dezenove
liminares. O futebol no Brasil é diferente. Aqui é a terra dos bacharéis, dos
catadores de lêndeas jurídicas, dos campeões das tecnicalidades da letra miúda.
O jogo é detalhe: tudo converge para a possibilidade de poder questionar a
vitória do adversário.
Aqui, o futebol jogado em campo é um mero pretexto. O jogo
mesmo é O Tapetão, esse sim o verdadeiro esporte nacional, a nobre arte de
transformar Jesus em Barrabás ou Madalena em Maria citando alíneas e jurisprudências.
Há quinhentos anos é assim. A vida real é mero pretexto.
O time parisiense pediu pra perder, como diz o pessoal do
Calçadão. Montado no confortável 4x0, fez o que qualquer time medíocre faz:
entrou todo recuado, chamando o adversário sobre si, pedindo para ser
envolvido, para ser encurralado, para ser bombardeado. Deu no que deu.
Técnicos que fazem isso geralmente se defendem com um
argumento do tempo em que a bola tinha cadarço. Dizem que chamam o adversário
sobre si “para matar o jogo no contra-ataque”. Pode até ser. O PSG teve um
vislumbre de justificação de seu recuo quando aos 17 minutos do segundo tempo
Cavani acertou um chute dos mais difíceis, com uma precisão (passou a
centímetros do cabelo do goleiro) e uma violência incríveis.
Pareceu ter matado o jogo. Podia tê-lo feito quando
Cavani e depois Di Maria perderam gols incríveis. Os “deuses do futebol”, esses
orixás nelsonrodriguianos, resolveram castigar sua incompetência, e chamaram
Neymar.
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