terça-feira, 20 de janeiro de 2015

3715) "No Sertão onde eu vivia" (20.1.2015)



Diz-se que a crônica é um gênero literário tipicamente brasileiro e sempre são invocados os nomes de Rubem Braga, Fernando Sabino, Luís Fernando Verissimo, além de outros, hoje menos lidos, como Carlos Eduardo Novaes ou Henrique Pongetti.  O que nem sempre se comenta é que dentro do gênero crônica existem subgêneros, e um deles é a crônica rural, que se confunde com a anedota e o “cáuso”.

No Sertão Onde Eu Vivia de Zelito Nunes (Recife, editora do autor, 2014) é um bom exemplo da crônica que, ao invés de descrever os mil e um aspectos da rica e multiforme vida urbana descreve os mil e um aspectos da rica e multiforme vida rural.  Digo assim para combater o conceito equivocado de que a vida urbana é de uma multiplicidade inesgotável de tipos humanos, interações sociais, formas de comportamento, demonstrações de humor, inteligência, presença de espírito, etc., e que a vida rural é uma pasmaceira uniforme ao som de mugidos de gado.

Ledo engano. Sem falar em Leonardo Mota etc., aqui mesmo na Paraíba tivemos o inesgotável José Cavalcanti e seus livrinhos recheados de tipos populares e linguagem pitoresca. A vida nos sítios, fazendas e vilarejos do interior pode, sim, ser tão rica e variada quanto a vida que fervilha em torno do Mercado Modelo ou na Praia de Copacabana. Precisa apenas de gente com olhos e ouvidos atentos, excelente memória, e capacidade para colocar no papel esses episódios que, também no interior, mal cabem no estreito espaço das 24 horas de um dia.

Zelito Nunes, nascido em Monteiro e radicado no Recife, tem uma série de coletâneas de crônicas nessa veia (uma delas, Folha de Boldo: Notícias de Cachaceiros, em parceria com Jessier Quirino), retratando a vida do Cariri e do Pajeú.  Seria, mal comparando, a mesma riqueza de tipos (só que no meio rural) que encontramos na Zona Norte carioca da Rua dos Artistas e Transversais de Aldir Blanc. Além dos versos de cantadores que anota há décadas, Zelito Nunes conta histórias de camelôs, fazendeiros, vaqueiros, confusões entre bêbos e donos de bodegas, soldados de polícia, arruaceiros.  Aventuras mirabolantes ou desastradas vividas por gente com um parafuso a menos na cabeça e uma vida mais interessante do que a nossa. Sem falar nas recordações de uma infância vivida na fazenda, como a história da cabra com medo de lanterna elétrica ou o dia em que ele fugiu de casa e ninguém da família percebeu.  São memórias de uma vida rústica e aventurosa, evocada nesta sextilha de Manoel Filó: “Namorar em Mundo Novo / todas as noites eu ia / voltava de madrugada / quando o sono me tangia / molhando a barra da calça / na rama da melancia.”




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