Em seu livro de memórias If This Be Treason, Gregory Rabassa comenta suas grandes traduções da ficção latino-americana. Um dos primeiros romances que traduziu foi Cem Anos de Solidão de Garcia Márquez, e ele dedica longos parágrafos a comentários. A expressão “cem anos”, por exemplo, pode ser traduzida como “a hundred years” ou “one hundred years”, e ele diz que optou pela última, para destacar o aspecto quantitativo (“one”), pois se trata de uma conta nítida, fechada, “como numa profecia, algo definido, uma contagem regressiva, não é uma centenas de anos qualquer”.
O livro
tem um dos começos mais famosos da literatura recente: “Muchos años después,
frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de
recordar aquella tarde remota en que su padre le llevó a conocer el
hielo”. Em inglês ficou: “Many years later, as he faced
the firing squad, Colonel Aureliano Buendía was to remember that distant
afternoon when his father took him to discover ice.”
Rabassa comenta todas as opções desse pequeno trecho. Lembra
que pelotão de fuzilamento é “firing party” na Inglaterra e “firing squad” nos
EUA. Discute se é melhor traduzir
“había de” por “would” ou por “was to” (opta por esta). O verbo recordar pode ser “remember” ou
“recall”: ele opta por “remember”, “porque dá a impressão de uma ´recordação
mais profunda”.
A “tarde remota” virou “distant afternoon”. Por que? Rabassa considera que para o leitor inglês a
palavra “remote” está muito associada a controle remoto, robôs, etc., e que
gostava do adjetivo “distante” (um adjetivo relativo a espaço) quando aplicado
ao tempo. Para ele, um problema
delicado era o fato do Coronel, menino, ter sido levado para “conocer” o
gelo. Rabassa traduziu o verbo por
“discover”, descobrir. Por que? Rabassa lembra que se trata de um primeiro
encontro, de um aprendizado; em inglês, usar "to know” daria a sensação de que
o menino disse: “How do you do, ice?”, mas que quando a gente sabe algo pela
primeira vez está “descobrindo” esse algo.
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