(ilustração de William Blake para a Divina Comédia de Dante)
Numa
entrevista concedida certa vez a Geneton Moraes Neto, Ariano Suassuna falou
sobre o assassinato de seu pai João Suassuna (morto de emboscada numa rua do
Rio, por um pistoleiro a mando de líderes políticos adversários). Sabendo que estava jurado de morte, João
deixou uma longa carta para a esposa e os filhos, dizendo que era inocente do
crime de que os inimigos o acusavam (de ter ordenado ou incentivado o
assassinato do governador João Pessoa), e dizendo: “Se eu for morto, não se
vinguem. Não se tornem assassinos por minha causa.”
O
assassino foi condenado a quatro anos e cumpriu dois; viveu até uma certa
idade, e houve uma época em que morou a poucos quilômetros de onde viviam a
viúva e os filhos da vítima, a esta altura todos adultos. Inquirido pelo
repórter, Ariano admitiu que passou a vida dividido entre essas duas forças
opostas, a possibilidade de vingança (e, de acordo com um certo código
sertanejo, a obrigatoriedade moral da vingança), e do lado oposto a serenidade
do pai e a firmeza da mãe. E ele diz a
certa altura: “Eu já cheguei a rezar por ele”.
Geneton pergunta: “E o que falta para perdoá-lo?” Ele diz: “Sentir por
ele o mesmo que sinto pela minha esposa, meus filhos, meus amigos”.
Ariano
tinha essa angústia moral dostoievskiana diante da face torva do mundo. Diz ele
na entrevista que considera o inferno como uma parte mais profunda do
purgatório, um lugar de expiação, onde as almas sofrem uma purificação pelo
sofrimento e de onde um dia podem emergir, redimidas. “Eu me recuso a acreditar na eternidade do inferno,” diz ele na
entrevista. “Isso seria um absoluto, e absoluto só Deus. E hoje, depois de
pensar muito anos, eu diria que estou me aproximando do perdão, porque se
dependesse de mim a permanência dele no inferno, eu diria: pode sair.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário