Com todo esse moído em relação à Copa do Mundo,
acabei me lembrando de um dos romances mais curiosos da ficção científica
brasileira: A Desintegração da Morte (1948) de Orígenes Lessa. Escrito pouco antes da Copa de 50, ele conta
que um cientista chamado Klepstein consegue “desintegrar a morte” em seu
laboratório (como, ele não explica) e que daí em diante ninguém mais morre,
mesmo esfaqueado, fuzilado, reduzido a pasta. Continua sofrendo, e vivo. Há
cenas dantescas, como é de esperar. As guerras produzem partes mutiladas que se
recusam a morrer.
Lessa adota o estilo de H. G. Wells do romance com
múltiplos pontos de vista, em escala planetária. (Veja-se “A estrela” de Wells,
no livro O país dos cegos, e “A gargalhada” de Lessa, que incluí na antologia
Páginas de Sombra). São capítulos
curtos, compactos, pulando de país em país, de continente em continente, com
flashes de personagens que surgem, produzem uma cena extraordinária, e somem
para sempre. Cada capítulo é um pequeno mosaico na construção de um grande
painel.
E o capítulo XLII começa dizendo: “É quando se
realiza em Santiago mais um campeonato sul-americano de futebol.” (É engraçado que, em 1948, o Sul-americano de
seleções, pelas rivalidades regionais, parecia motivar mais do que a Copa do
Mundo.) Há um clima de antagonismo entre as seleções, relembrando campanhas
bélicas antigas, Humaitá, Tacna, Arica, Monte Caseros. Na véspera do primeiro
jogo, atletas de várias seleções fogem da concentração e vão ao mesmo bordel, o
“La Quintala”. Um argentino e um brasileiro brigam por causa de uma mulher. No
capítulo XLIII, durante o jogo, os dois se estranham. O argentino quebra a
perna do brasileiro. E começa ali uma briga que se estende para fora do estádio,
e pelos dois países.
Nenhum comentário:
Postar um comentário