quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

3396) Um som sem trovão (15.1.2014)




O filme de Kleber Mendonça Filho, O som ao redor, recebeu um dilúvio de elogios ano passado, e, talvez por conta disso, veio em seguida uma segunda onda de opiniões desdenhosas, no tom de “não achei essas cocacola toda”. Eu li pouquíssimo sobre o filme antes de vê-lo agora. Só sabia que era sobre um grupo de personagens espalhados por uma rua do Recife. Os elogios mais vigorosos foram feitos, em email, por W. J. Solha, o coronel Francisco do filme, que me elogiou o trabalho e o produto final, mas sem pistas do enredo. Por que insisto neste ponto? Porque quando a gente lê muito sobre o filme deixa de ter a experiência pura do filme. Ao invés de receber o filme na totalidade de cada momento seu, a gente fica esperando a cena da briga, esperando a cena da trepada, a cena do monstro, a cena da batalha... Resultado: não leio mais. Vou pro filme zerado.

Há uma cena em que o Dr. Anco está conversando com seu sobrinho João; os dois trabalham como corretores de apartamentos. Anco diz que lhe aconteceu uma coisa extraordinária. “Rapaz, fui mostrar um apartamento a um casal, pois não é que a mulher era uma ex-namorada minha?! A gente namorou um tempo, anos atrás, e o sexo com ela era bom demais, a gente fazia de tudo... Ela agora tá casada, com dois filhos...”  Há uma pausa. João pergunta: “E depois?”. Ele: “Depois, nada. Foram embora. Tu achasse pouco?” João: “Não, não. É ótima a história.”. O filme tem esse perfil, e talvez isso tenha irritado muitos espectadores. Porque ele arma situações que em outros filmes redundariam na cena da briga, na cena da trepada, etc. E não de propósito não redunda em nada.

O filme é meio nelsonrodriguiano, no sentido Zona-Norte-do-Rio do termo. Ambiente e personagens pós-Nelson, como Bia, a mulher que transa com a máquina de lavar roupa, que fuma maconha soprando no aspirador de pó, que dá sonífero ao cachorro. Mas onde Nelson derivava para o expressionismo, o melodrama, o filme se retém, reduz a marcha, mantém tudo num plano meio “filme de apartamento”, neo-realista, sem grandes lances dramáticos. Fica no que Drummond descreveu em “Vida Menor”: “A vida: captada em sua forma irredutível, /  já sem ornato ou comentário melódico, (...) Não o morto nem o eterno nem o divino, / apenas o vivo, o pequenino, calado, indiferente / e solitário vivo. / Isso eu procuro”.  Um naturalismo urbano sem os raios-e-trovões de um Nelson, um Dalton Trevisan, um Rubem Fonseca. Os personagens estão no epicentro tranquilo de um furacão. São os 360o de som em volta que formam um tsunami ameaçador, fechando-se sobre eles, um terremoto que se aproxima, uma guerra a caminho cujos sintomas explodem de repente em cada esquina.


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