(by Niki Feijen)
Até agora não entendo.
Tudo era céu de brigadeiro e mar de almirante. Tudo fluía sem solavancos, tudo se encaixava com um clique sólido e controlado, e daí em diante era apenas seguir o manual, ir conforme o figurino, não inventar, fazer o feijão com arroz, tocar a bola no meio de campo e esperar que os mecanismos continuassem no tiquetaque reconfortante de tudo que se desenrola de acordo com o planejado.
E era tão bom olhar o horizonte e imaginar mil horizontes de possibilidades, um leque de possibilidades felizes competindo entre si por nossa atenção.
Falta de esforço não foi. Não foi por falta de suor físico e de angústias mentais. Nem por falta de insônias, naturais ou provocadas por agenciações químicas de toda ordem.
Também não foi por falta de sono, esse eterno bom conselheiro, esse apaziguador de tormentas, só que no presente caso o solvente universal não funcionou e na manhã seguinte o enorme pedregulho continuava intacto e parecia até mais cheio de arestas.
Tentou-se tudo, e de todo jeito. Não deu certo.
Quando as coisas não dão certo, até os mais encarniçados resolvedores-de-problemas precisam se conformar com o irremediável, precisam engolir o sapo, assimilar o golpe, administrar a dor, aceitar que de agora em diante o argueiro faz parte do olho e o tigre vai morar com a gente.
E não deixa de ser divertido observar como um Himalaia de argumentos começa a ser transferido de lugar para re-equacionar a conjuntura, e o dicionário está cheio de rasuras e borrões pois as palavras estão mudando de significado.
É difícil ter paciência para enfrentar as intermináveis perguntas alheias, porque os sucessos nunca despertam tanta curiosidade quanto os fracassos; e quando se espalha a má nova de que uma empreitada qualquer deu com os burros nágua e a vaca no brejo, orelhas se empertigam em volta do mapa múndi, olhares se dirigem todos para a vítima indefesa ou para o réu sem fiança.
Todos querem saber por que foi, como foi, como não foi, o quê que aconteceu, o que poderia ter sido feito e não foi, o que não deveria ter sido feito e acabou sendo.
Nos olhos dos perguntadores brilha a ansiedade em recolher lições e aplicá-las em seu próprio futuro, e a cintilação maligna de quem, enquanto anota, vai pensando: “Tá vendo? Bem feito”.
É duro quando não dá certo, chega a dar vontade de dizer que a alegria do possível êxito não compensa o risco da depressão pelo possível fracasso, mas quem somos nós para dar conselhos – porque se nosso conselho valesse de alguma coisa era justamente porque somos alguém capaz de fazer as coisas darem certo. E dessa vez – é pena! – não deu.
2 comentários:
"tente outra vez"(Raul Seixas)
Uau, um capítulo da minha vida!
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