quinta-feira, 17 de outubro de 2013

3319) Coisas de tradução (17.10.2013)




(by Chema Madoz)

Traduzir é um processo traiçoeiro. Não sei se vocês conhecem aqueles saites de tradução instantânea (BabelFish é o que uso mais) onde você bota uma frase, e diz de que língua para que língua ele deve traduzir. Eu já peguei uma estrofe dos Beatles e passei do inglês para o português; depois, do português para o russo; depois, do russo para o italiano; e assim por diante, em dez saltos sucessivos. O texto do fim era ininteligível. Perdia-se o sentido, o nexo entre as partes do discurso, palavras eram traduzidas para algo “parecido” num passo, e no passo seguinte para o “parecido com o parecido”, até a Entropia fazer com o texto o que a polícia carioca faz com uma manifestação pacífica.

Na recente edição da Antologia da Literatura Fantástica de Borges, Bioy Casares e Silvina Ocampo pela Cosac Naify, há uma nota interessante. A antologia reúne textos que originalmente eram em inglês, francês, italiano, chinês, japonês, alemão e outras línguas. Na edição argentina, foram todos, é claro, traduzidos para o espanhol. A nota da edição brasileira (que é traduzida por Josely Vianna Baptista) diz:

“A editora traduziu todos os contos da presente coletânea a partir das versões de Borges e Bioy Casares, entendendo que assim respeitaria a poética dos autores. Em 1982, quando foi publicada uma edição italiana da Antologia, Borges afirmou: ‘Não traduziram nossa antologia; procuraram as fontes e traduziram. Agiram assim em prejuízo do leitor, naturalmente. Não deveriam ter escolhido um livro de autores que se distinguem por suas transcrições e citações infiéis’ (Em A. Bioy Casares, Borges, Barcelona: Destino, 2006, p. 1562).”

Isso mostra o (como direi?) anticonvencionalismo de Borges. Para mim, o correto é o que os italianos fizeram: retraduzir os contos de suas línguas originais, não de suas versões argentinas. Borges era famoso por seu descaso para com a exatidão tradutória. Assinou (sem traduzir) uma versão em espanhol da Metamorfose de Kafka (o que só foi descoberto muito tempo depois). Sua tradução da “A carta furtada” de Poe omite parágrafos inteiros, aumentando a fluência do texto mas omitindo a exatidão maníaca do autor. Borges parece crer que as boas histórias se fazem com bons enredos, e que dez filtragens no BabelFish deixariam uma boa história ainda em condições de ser lida e apreciada. Ele disse certa vez que sucessivas gerações de homens fazem com uma frase o que as águas de um rio fazem com uma pedra: deixam-na polida, lisa, despida de tudo que é supérfluo. Ele certamente acreditava que cabia à tradução aperfeiçoar as qualidades do original e eliminar o que o tradutor considera seus defeitos.


Um comentário:

Flávio disse...

Eu vou agora na biblioteca, pegar um livro de Borges.acabei um livro ontem.