sábado, 23 de junho de 2012

2904) O roubo digital (23.6.2012)

















Um artigo de Stuart P. Green no New York Times (http://nyti.ms/KmnlTw) aborda a questão do download não-autorizado de músicas, filmes e livros do ponto de vista do tipo de transgressão que isso constitui.  Para Green, não se trata de furto ou roubo, e esta é a questão crucial.  É um problema de nomenclatura, nada mais, mas dentro do nosso sistema jurídico, e do nosso sistema informal de valores e conceitos, o nome com que tratamos uma ação influencia e direciona nosso exame e nossas decisões futuras.  Se já começamos uma discussão dizendo que a ação tal ou tal é um roubo, vai ser difícil propor, depois, uma maneira de legalizar ou organizar o modo como isso vai ser feito, já que é um “roubo”, uma palavra condenada de antemão.

Dois aspectos são importantes: 1) ao contrário do roubo, o download não priva o proprietário original de um objeto único que ele possuía e não possui mais; trata-se apenas do ato de copiar o objeto e levar a cópia para si; 2) são poucas as pessoas, entre as que fazem essas cópias, que se dariam o trabalho (ou teriam o dinheiro) de comprar o objeto original que o “proprietário” supostamente está oferecendo à venda.  Se as cópias se multiplicam gratuitamente, deve existir alguma maneira de usar essa multiplicação para gerar um pequeno resíduo de renda que, acumulado e multiplicado por milhões ou bilhões, crie um bolo a ser repartido entre os produtores dos objetos culturais.  Ao invés de cobrar 20 reais por disco e vender milhares, cobrar 1 centavo e vender milhões.  Ou cobrar um imposto único e redistribuí-lo, proporcionalmente à contribuição de cada produtor cultural.

Nosso conceito de comércio cultural (livros, filmes, discos) foi criado em torno da idéia de que: 1) é caro e trabalhoso copiar uma obra; 2) quem tem essa despesa e esse trabalho precisa ser recompensado por isso; 3) essa recompensa geralmente se dá através do direito de explorar comercialmente essas cópias escassas e preciosas.  No momento em que o item 1 perdeu o sentido, o resto começa a perder o sentido também.  Precisamos agora achar um novo conceito de comércio, baseado na idéia de que é facílimo e gratuito reproduzir cópias de livros, filmes e músicas.  Há um oceano de cópias sendo trocadas, oferecidas e aproveitadas gratuitamente, e não adianta considerar isso um roubo, porque daqui a alguns anos vamos chegar a uma sociedade onde, como a Itaguaí de O Alienista de Machado de Assis, 99% da população estará presa e somente 1%  nas ruas.  Quando a vida real, avaliada por um conceito, mostra 1% de regra e 99% de exceção, um dos dois precisa ser substituído. É mais sensato substituir o conceito.


3 comentários:

Alexandre Nagado disse...

Muito bom o artigo! Recentemente, abordei essa questão em meu blog, que é focado em cultura pop japonesa. Diz muito sobre como o Japão aborda essas questões, mas há muita reflexão universal envolvida.

Ficarei honrado se conferir.
Abraço!

Alexandre Nagado disse...

Como sou distraído. Falei do meu blog e não deixei o endereço.

Eis o link:
http://nagado.blogspot.com.br/2012/06/sobre-pirataria-direitos-autorais-e.html

Daniel Andrade disse...

meu irmão cada vez que venho aqui fico mais seu fã, hoje seu discurso foi excelente. Acho que vc vai gostar de conhecer esse projeto aqui:castanhamecanica.wordpress.com/ tem tudo haver com seu texto. Abraço.