(Bertolt Brecht)
Em seu livro Crônicas, Vol. I, Bob Dylan conta o impacto que as canções de Bertolt Brecht tiveram sobre ele. Dylan chegou à obra de Brecht através de sua namorada Suze Rotolo (que aparece abraçada a ele na capa do álbum The freewheelin’ Bob Dylan), a qual era filha de pais esquerdistas e participava intensamente das agitações políticas da época.
Suze era desenhista e fazia parte da equipe de um espetáculo com as canções de Brecht e Kurt Weill. Dylan (na época com 21 ou 22 anos) começou a ver os ensaios, viu a montagem após a estréia, e ficou literalmente bouleversado com o tipo de letra de canção feito por Brecht – e que ele adotou para si. (Diz ele: “Woody Guthrie nunca tinha escrito canções como aquelas”.)
A grande iluminação (diz ele na parte final das Crônicas) foi ao ouvir “Pirate Jenny” (que, entre outras consequências, inspirou “Geni e o Zepelim” de Chico Buarque, em sua “Ópera do Malandro”). (Há mil versões da canção de Brecht no YouTube.)
A impressão que ele teve ao ouvir a música:
“Era uma canção surpreendente. Uma letra em doses concentradas. Ação do começo ao fim. Cada frase caía sobre você de uma altura de três metros, saía pela rua afora e em seguida vinha outra, como um soco no queixo. E retornava sempre aquele refrão fantasmagórico sobre o navio negro, refrão que vinha, cercava tudo e deixava a letra inteira retesada como uma pele de tambor. É uma canção má, cantada por uma pessoa cruel, e quando ela termina de cantar, não há mais uma palavra a dizer. Ficamos sem respiração”.
Dylan, um mero praticante, faz uma perfeita análise teórica do método de Brecht.
“Comecei a desmontar a canção, tentando entender o que a fazia funcionar, o que a tornava tão eficaz. Tudo nela era aparente e visível, mas a gente não percebia muito. Tudo estava pregado na parede, mas você não podia ver a soma total das partes, a não ser que esperasse até o fim. Era como Picasso pintando Guernica. (...) Era a forma, a associação livre dos versos, a estrutura, o desprezo pela previsível certeza dos padrões melódicos que lhe davam um sentido mais sério, uma aresta cortante. Tinha também um refrão perfeito para os versos. Comecei a perceber como poderia manipular e controlar essa estrutura e forma específicas, que eu percebi ser a chave para dar a ‘Pirate Jenny’ sua solidez e seu poder extraordinário”. (...) Comecei a brincar com esse formato, tentando dominá-lo – tentando escrever canções que transcendessem as informações dentro de si, os personagens e o enredo”.
Brecht ensinou a Dylan que uma canção é apenas o resumo de um filme inteiro (=de uma cena inteira de uma peça) que aconteceu na cabeça do compositor.
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