sábado, 21 de janeiro de 2012

2772) Raymond Queneau (21.1.2012)




(Cent Mille Milliards de Poèmes)

Se eu fosse para uma ilha deserta (engraçado como todo escritor é ameaçado com isto, e é obrigado a escolher o livro que vai levar!) levaria Obras Completas de Raymond Queneau. Por muitas razões; a mais pragmática delas é que a obra de Queneau é imensa e variada. Num só volume eu teria romance, conto, poesia; romances fantásticos como As flores azuis, romances humorísticos como Zazie no Metrô; poesia cósmica; jogos de palavras; exercícios de estilo; recenseamento dos escritores e cientistas fora-de-esquadro.

Queneau era um trocadilhista, um fazedor de frases, um rei do texto de duplo sentido, ou melhor, do texto que parece infinitamente capaz de novos sentidos. Era um matemático diletante e estabelecia às vezes regras matemáticas que orientavam a composição de um livro, como o número de linhas de cada capítulo (Osman Lins fazia algo parecido em Avalovara). Sua obra tinha um impulso lúdico, irreverente, capaz de desviar o assunto no meio de uma argumentação seríssima para fazer um trocadilho bobo e depois prosseguir em alto nível retórico. Seus livros são intrincados e brincalhões.

Sua experiência mais ousada foram os Cem Mil Bilhões de Poemas, de 1961, um texto combinatório em que as 14 linhas que fazem o soneto podem ser recombinadas em 10 matrizes diferentes, dando o total possível previsto no título. Queneau chegou a editar um livro com as linhas dos sonetos separadas em faixas horizontais, numa edição que bibliófilos já chamaram “uma das mais belas aventuras tipográficas e criativas do século”. Uma experiência que agora se realiza plenamente com a Internet. Neste saite (http://bit.ly/vuDr65) é possível recombinar não apenas os versos originais em francês como a tradução de cada um para o inglês.

Queneau teve a precaução, é claro, de fazer com que cada linha específica do soneto tivesse a mesma rima em todas as versões, para permitir o rodízio entre elas. Além disso, as ligações sintáticas entre os versos, embora tênues, continuam permitindo, após a troca das linhas, uma leitura corrida, fazendo encadeamento com os novos sentidos. É uma façanha técnica impressionante. O resultado, como ele comentou, é uma quantidade de poemas que nem toda a humanidade poderia ler. Alguém dirá: Isso é poesia? A resposta é: Nem toda poesia pode ser assim; isto é apenas um vislumbre do quanto a poesia é capaz. Assim como as exibições de uma ginasta olímpica nas barras assimétricas servem para nos lembrar do que o corpo humano é capaz, mas ninguém espera que todos os corpos se comportem daquela maneira no dia-a-dia. Queneau escreveu O Maior Poema do Mundo; isto não é tudo, mas também não é pouco.

2 comentários:

Kadu Mauad disse...

Braulio, vem cá:
por acaso, existem as "Obras Completas de Raymond Queneau" no Brasil, em alguma editora?

Braulio Tavares disse...

No Brasil não, ma certamente existe em francês, na coleção "Pléiade", de obras reunidas em papel bíblia, que o próprio Queneau dirigiu durante anos para a Editora Gallimard.