quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
2487) “A Mulher que Enganava a Lua” (23.2.2011)
Por obra e graça de Glauco Mattoso, que conhece minhas idiossincrasias literárias, chegou às minhas mãos este livro fora-de-esquadro, de autoria de A. Dari, publicado em São Paulo, 1984.
A edição é avara em informações, mas a foto na quarta capa deve ser do autor – um sujeito de seus 30 e poucos anos, moreno claro, cabelo preto, nos fundos de uma casa ou apartamento, sorridente, abraçado a um cãozinho.
Não li o romance ainda, que é uma espécie de ode ao “eterno feminino”, e se inicia com um preâmbulo laudatório, cujo primeiro parágrafo transcrevo a seguir:
“Revestida de uma divindade milenar, de natureza fugitiva e universalmente perseguida, a mulher, retilínea em suas atitudes, deixa-se flutuar em seu enigma, arrasta a sua existência a decantar a sua sensualidade e, ainda que as décadas ligeiras imprimam em suas faces as marcas indeléveis que inibem a vaidade, ela persiste em querer as ternuras pré-fabricadas”.
Não pense o leitor que todo o livro é um prolongamento desse enunciado; há personagens, há ação, como neste trecho, colhido meio ao acaso, na página 79:
“Às duas e dez daquela manhã cinzenta, apática e emburrada, peguei Kelvia pela cintura e a levei para visitar algumas vitrinas. Segui em curtas passadas pela Regent Street. Lembrei-me de que ali em 1978 eu vi a minha imagem refletida numa vitrina e atrás dela desfilava sem pressa Jadranka e sua secreta fantasia. Um minicab inquiriu: ‘Awaiting a taxi?’ Disse que preferia caminhar”.
Bom, se não percebeu ainda, aqui vai: A Mulher que Enganava a Lua é um livro escrito sob “contrainte”, sob uma limitação voluntariamente estabelecida pelo autor. No caso, é um livro em que não aparece a letra “O”.
Eu sou fascinado por essas façanhas, e acho um prodígio que o sujeito faça um livro com (no presente caso) 141 páginas, onde o “O” não apareça uma vez sequer. Lembro o exemplo clássico de Georges Perec, que fez um livro (La Disparition, 1969) sem usar a letra “E”.
Mas Perec e sua editora dão um migué, um drible de corpo, nas restrições. Na edição da Gallimard, que tenho em casa, o texto é impresso em tinta preta mas os “complementos” são impressos em vermelho, e neles aparecem o nome do autor e outros detalhes que não prescindem da letra E (como o nome do selo da editora, Denoël).
No livro brasileiro, amigo, a lei é jagunça. A letra O não aparece nem por decreto. Vejam estas informações técnicas:
“A. Dari – C.P. 19.217 – S. P. – Capital – É vedada a réplica textual, parcial e integral, sem a prévia anuência de A. Dari – Aplicáveis as penas da lei – Printed in Brazil”.
Cada informação destas é uma profissão de fé: “serei fiel à regra que criei...” Este é o verdadeiro espírito de quem escreve sob “contrainte”. Até Perec, em seu livro de 318 páginas, teve que fazer pequenas concessões!
Glauco me avisa que o mesmo cara publicou um livro sem a letra “A”, que já comecei a caçar. O único problema é saber como o autor conseguiu assiná-lo.
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