quarta-feira, 30 de junho de 2010

2211) Uma chuva pesada vai cair (9.4.2010)



Quando “o maior temporal dos últimos 40 anos” caiu sobre o Rio de Janeiro, eu estava longe, mas foi como se estivesse lá. Estava lendo os últimos capítulos do livro Forty Signs of Rain de Kim Stanley Robinson (2004), um thriller político de ficção científica, parte de uma trilogia prosseguida com Fifty Degrees Below (2005) e Sixty Days and Counting (2007). A obra de Robinson descreve a atividade de um grupo de cientistas e políticos tentando atenuar os efeitos da presente catástrofe ambiental, que já começou, mas que as pessoas só se lembram que está em curso quando acontece algo nas suas cidades.

Os últimos capítulos de Forty Signs of Rain mostram Washington D.C. sendo devastada por um toró com origem igual à do que atingiu o Rio de Janeiro esta semana, só que muito mais forte. Ruas e avenidas submersas, prédios públicos alagados até o terceiro andar, a capital do país mais rico do mundo paralisada, e até os animais do Zoológico sendo soltos para não serem arrastados pelas gigantesca enxurrada que varre o parque. Até as reações dos poderes públicos são parecidas. No Rio, pediram ao prefeito Eduardo Paes para dar uma nota de 0 a 10 à infraestrutura da cidade, e ele respondeu: “Menos que zero”. No livro de Robinson, o presidente dos EUA (uma mistura de Bush e Reagan) bate em retirada para Camp David, declara os Estados de Virginia, Maryland e Delaware uma “área de calamidade pública”, e diz que o Distrito de Columbia (onde fica a capital) está “ainda pior do que isto”.

Catástrofes são sempre anunciadas com antecedência; acho que a única catástrofe que acontece de repente é a queda de um raio, e mesmo esta pode ser estatisticamente prevista. Catástrofes climáticas fazem parte da vida na Terra, mas as que estão ocorrendo agora são resultado da ação do homem sobre a Terra. Ninguém age por maldade, ninguém quer destruir o planeta. As pessoas querem apenas viver suas vidas, e trabalhar em paz, mesmo que isto implique em despejar dejetos nos rios, queimar combustíveis que destroem a camada de ozônio, produzir toneladas de lixo desnecessário, devastar regiões inteiras com monoculturas predatórias, consumir sem necessidade e desperdiçar sem remorso. Diz Robinson em seu livro: “É mais fácil destruir o mundo do que mudar o capitalismo um ‘tantinho’ assim”.

Robinson cria, no primeiro volume de sua trilogia (vou encarar agora as 520 páginas do segundo) uma galeria de cientistas com seus problemas pessoais e ideológicos. Um deles trabalha em casa cuidando dos filhos pequenos, e há uma cena hilária em que ele tem de discutir ambientalismo com o Presidente dos EUA carregando o guri de um ano e meio numa mochila às costas. Vidas pessoais e o destino do planeta se entrelaçam de uma maneira que só a literatura de visão panorâmica (da qual a FC é um ramo) pode nos revelar. A literatura cujo personagem principal é a Humanidade, a única que nos permite ver a totalidade do momento presente.

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