sexta-feira, 9 de abril de 2010

1890) A reforma ortográfica (31.3.2009)



Já vige a nova ortografia, mas ainda não acostumei. Leitores desta coluna irão perceber deslizes aqui e ali. Não importa. O prazo de adaptação é de dois anos, e espremê-lo-ei até o derradeiro segundo. Em toda mudança desse tipo existem coisas que a gente concorda, e coisas que desaprova inteiramente. Uma que elogiei de cara foi reconhecer a existência das letras K, W e Y. As reformas anteriores, buscando a simplificação, as eliminaram. E de fato eu prefiro escrever “tupi” do que “tupy”, “quilo” do que “kilo”, e... não me ocorre agora nenhum uso comum do “w”. Já fui criado dentro da nova ortografia, e para mim tanto faz. O mais ridículo, contudo, é o fato de terem tirado as letras do alfabeto, embora elas continuassem existindo nos livros, nos jornais, nos dicionários, na língua, enfim. Todo mundo que já alfabetizou um filho já teve que explicar que essas letras “existem, mas não existem”. Isso lhes dá uma aura transcendental, cabalística. Vai ver que é por isso que tem tanto brasileiro batizado como Woskley ou coisa parecida.

O trema não me faz falta. Fico livre de apertar a tecla Shift e a tecla 6. Acho-o necessário, no entanto. Ele serve para indicar uma pronúncia diferenciada, e por mim ficaria. Quanto ao fim do acento agudo em platéia e em jóia, etc., fico em dúvida. Neste segundo caso, são muito poucas as palavras com essa terminação onde o som do “o” é fechado (“...ôia”). Se a gente se acostuma (falo das crianças) a pronunciar “...óia”, a chance de acertar é grande. O problema é com a acentuação do “e”, porque se um lado tínhamos idéia, assembléia, epopéia, odisséia, tínhamos do outro palavras com o “e” fechado, como ceia, meia, aldeia, baleia, etc. Nestes casos, a criança só vai saber a pronúncia certa quando ouvir a palavra sendo dita em voz alta.

O hífen é uma zona conturbada. Parece que a tendência da reforma foi eliminá-lo, e talvez em meio século ele esteja extirpado da língua. Acho uma pena. Não porque me incomode escrever contrarregra, cosseno, paraquedas, ferrovelho. Fica esquisito, mas a gente acaba acostumando. A questão é que eu, pelo menos, costumo usar informalmente o que chamo formalmente de “hífen evidenciador de sintagma”, o tracinho que serve como uma correntinha de clipes unindo um conjunto-de-palavras-que-ao-fim-e-ao-cabo-equivalem-a-uma-coisa-só. A língua inglesa faculta esse uso (ou, se não o faculta, os escritores usam sem pedir licença); Guimarães Rosa é um grande usuário deste belo processo. Normas gramaticais à parte, sinais como o hífen podem servir para ênfase literária. Não importa se o sujeito é um possível-aspirante-futuro-a-um-Jabuti-quem-sabe-um-Nobel ou se se trata, o que é mais possível, de um desses escrevinhadores-de-miçangas-verbais-que-reluzem-sem-ser-ouro. O que conta é que o recurso gráfico exista, que sua função seja compreendida, e que a gramática o deixe em paz, indo cuidar de questões mais sérias de infraestrutura.

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