quinta-feira, 1 de abril de 2010
1856) Notas de um mineiro soterrado (19.2.2009)
O túnel desabou. As galerias estão bloqueadas. É impossível saber a extensão do desmoronamento, a quantidade de entulho que terá de ser removida, o tempo que isto levará, a possibilidade de renovação do ar, ainda que mínima, através de alguma pequena fenda. Não se sabe. A escuridão é total, e o silêncio também o seria, se não fosse pelos arquejos com que todos naquele grupo tentam puxar o ar para dentro dos pulmões.
Cada hausto de oxigênio é uma vitória, e nos dá motivação suficiente para conseguir o próximo. A escuridão não deve assustar. Numa situação assim, o tempo não se mede em anos ou meses, mas apenas em segundos. É proibido pensar além disso. Não, não é proibido: é contraproducente, é desnecessário. Cada segundo é o primeiro. Cada segundo significa que o anterior não foi o último. É preciso relaxar. Não colocar peso em excesso. Ficar com os músculos contraídos não ajuda as equipes de salvamento a empurrar as rochas desabadas. Trincar os dentes não alarga os dutos de ventilação. Se rezar faz bem, reze.
Nada conforta tanto quanto a certeza (sinônimo de esperança) de que há equipes de salvamento abrindo caminho, cada vez mais próximas a cada minuto e a cada hora. Frustrar as esperanças deles seria imperdoável. Fazer com que tivessem se esforçado em vão seria um pecado, um crime. Vamos, vamos. Falta pouco. Cada instante que passa os traz mais perto. É só uma questão de tempo. É só uma questão de dividir com prudência o total de oxigênio restante (e não se sabe quanto é) pelo total de minutos que faltam (e não se sabe quantos são).
É preciso (mesmo que não se escute nada, mesmo que o silêncio continue assim, opressivo, sólido) acreditar que estão a caminho, que há equipes, homens bradando ordens, instrumentos de ferro partindo as rochas e escavando a terra, aproximando-se. A crença ajuda a acontecer. Saber que eles estão vindo ajuda a poupar o ar. Saber que estão vindo envia raios telepáticos na direção deles, para que cavem no rumo certo, para que não se desviem nem se atrasem. Tudo no vasto Universo tem um propósito, tudo converge para uma região onde as coisas encontram um deslindamento necessário, tudo tende a ter sentido.
No silêncio e na treva absoluta, algo acontece sem que sejamos capazes de perceber, mas acontece para nosso bem. Tudo que temos a fazer é ficar assim, manter a mente acordada e o corpo preservado, para que o que acontecerá não aconteça em vão. Não podemos cavar, não podemos abrir caminho. Nossa única maneira de ajudar os que podem é continuar ali, existindo, jazendo, à espera, transmitindo de algum modo secreto a vibração indefinível de nossa presença, para que eles cavem, cavem, cavem. Não precisamos agir, basta esperar. E respirar. Cada hausto de oxigênio em nossos pulmões mantém vivas as esperanças de duzentos homens com pás e picaretas que deslocam rochas e vêm na nossa direção. Basta continuar respirando.
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