sexta-feira, 12 de março de 2010

1781) A liberdade de expressão (23.11.2008)



No ginásio, nas aulas de Ciência, surgia de vez em quando esta questão perturbadora: “O que acontece quando uma Força Irresistível encontra um Obstáculo Inabalável? Quem ganha?” Uns votavam numa, outros votavam no outro. Alguns tentavam ser salomônicos dizendo que o Obstáculo “balançava mas não caía”. (Uma variante do mesmo problema envolvia um Solvente Universal e um Recipiente Invulnerável.) Até que um dia um professor nos sugeriu considerar o seguinte: uma Força Irresistível e um Obstáculo Inabalável não podem existir no mesmo universo. A existência de um elimina o outro. Se existir uma Força Irresistível, nenhum obstáculo será inabalável, e vice-versa.

Existem casos, contudo, em que um termo entra em contradição consigo mesmo. É o caso desta misteriosa condição chamada “liberdade de expressão”. É uma noção que em princípio conta com a aprovação de qualquer pessoa – mas quando vamos pô-la em prática vemos que na medida em que aumenta a liberdade de expressão de A diminui a de B.

Sempre que coloquei em público esta questão apareceu alguém para dizer de imediato: “Então quer dizer que o sr. é contra a liberdade de expressão?” Este é a típica generalização apressada de quem só entende uma questão radicalizando-a em dois extremos. Não se trata de “ser contra” a liberdade de expressão, mas de reconhecer que ela tem limites por sua própria natureza. Não existe uma utópica e fantasiosa “liberdade de expressão universal e permanente”. Tudo que se ganha de um lado se perde do outro.

Como muita gente só entende imagens exageradas, costumo propor a seguinte questão: “O que é pior – a Censura ou o Nazismo?” Porque ou você tem uma coisa, ou tem a outra. Se você é a favor da liberdade de expressão, tem a obrigação moral de garanti-la também para essa rapaziada que tatua suásticas no bíceps, espanca nordestinos e judeus, e prepara atentados contra Barack Obama. Caso você seja um defensor da liberdade de expressão, precisa concedê-la a esses caras, para que se expressem, publiquem livros e artigos, façam comícios públicos, criem canais de TV divulgando suas idéias, elejam deputados e senadores, promulguem leis a seu favor, coloquem no currículo das escolas públicas cadeiras explicando que o Holocausto foi uma farsa.

Eu, por exemplo, não concordo com essas idéias. Acho que são prejudiciais à convivência pacífica entre as pessoas, e, portanto, sou a favor da Censura contra elas. Por mim, devem ser proibidas. Outras idéias com as quais não concordo – a Numerologia, a Teoria da Atlântida, etc. – me parecem inofensivas e não vejo razão para censurá-las.

Todo mundo é assim. Todo governo, todo cidadão. Permitimos aquilo que aprovamos e aquilo que nos parece irrelevante mas inofensivo; e censuramos o que faz mal. Liberdade universal de expressão não pode existir numa sociedade onde pessoas diferentes defendem idéias diferentes. Sempre vai haver uma idéia tão perigosa que alguém vai achar preciso proibir.

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