quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

1609) As lições de Syd Field (9.5.2008)



(ilustração: Angel Boligan)

Já falei aqui sobre a fórmula descoberta pelo roteirista Syd Field para um filme de ficção de longa-metragem: três atos, dois pontos de viradas, duas “pinças” no meio do segundo ato, e assim por diante. 

Field virou um deus-pequenino no universo dos roteiristas, professores e produtores de cinema. Seus livros têm o tom messiânico, jovial e otimista que encontramos nos livros de auto-ajuda. Ele repete e repisa as coisas que acha importantes – e está muito certo. Professor que diz uma coisa importante apenas uma vez não irá longe na profissão.

O problema com Field é o dos que descobrem uma fórmula para fazer uma coisa: começam a achar que a fórmula deles é a única. Foi assim com o Surrealismo, com a Poesia Concreta, com o Rock Progressivo, com o Punk. O sujeito se deslumbra com o universo que acabou de criar, abraça-se a ele, e esquece do Universo maior que está em volta dos dois. 

Field repete até a exaustão clichês do cinema americano, como o de que “cinema é conflito” (do qual discordo radicalmente). É um conceito de cinema que pretende agarrar a atenção do espectador, seqüestrar sua mente sem largá-la por um segundo sequer. 

Um conceito de espetáculo mais próximo da TV (onde há mil distrações, e a possibilidade de mudar de canal) do que do cinema. Cinema não é para agarrar o espectador, é para chamá-lo, ir na frente, esperando que o espectador o siga, sem se distanciar. No máximo levando-o amigavelmente pela mão.

Ainda assim, Field diz coisas essenciais. “A essência da tragédia”, reconhece ele, “não deriva de um personagem estar certo e o outro errado, mas de ambos estarem certos, só que em direções opostas”. O cinema maniqueísta de hoje bem que podia dar atenção a este detalhe. 

Outro conselho essencial repisado por Field é “entrar na cena tarde, e sair cedo”. Grande parte dos filmes se tornam chatos porque a cena surge na tela muito antes do necessário. (Não me refiro aqui ao cinema que explora os silêncios e as demoras, como os filmes de Jim Jarmusch ou Bergman) Se o que queremos é ação narrativa, o melhor é entrar na cena com a ação já acontecendo, e sair antes que ela termine de todo.

Outro mandamento importante: “O espectador deve descobrir o que está acontecendo ao mesmo tempo que o personagem” Isto leva o espectador para o centro da ação e das surpresas. Claro que o contrário disso também funciona: quando sabemos o que vai acontecer, o personagem não sabe, e ficamos nos desesperando em nome dele. Mas o que Field quer dizer é que o cinema pode nos transmitir, como nenhum outro meio, a sensação do imprevisível e do inesperado que há na vida. 

O que bate certinho com outro conselho dele: “Evitar que os incidentes e os acontecimentos sejam muito planejados e muito previsíveis”. A vida não é assim, e num filme de intenções realistas tudo não pode dar muito certinho. Fica parecendo uma pessoa que telefona para a gente e está lendo num papel – a gente percebe na hora.






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