quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

1551) O mundo em progresso ((2.3.2008)



Em seu belo romance Cloud Atlas (2004), David Mitchell reconta uma parábola oriental sobre o propósito do Universo. Diz o seu personagem: “Um dia, meu avô me mostrou um quadro representando um templo siamês. Não lembro seu nome, mas dizem que desde o dia em que um discípulo de Buda fez pregações naquele local, séculos atrás, todos os chefes de bandidos, todos os tiranos e todos os monarcas daquele reino o vêm adornando com torres de mármore, arvoredos perfumados, cúpulas folheadas a ouro, murais decorativos nos tetos abobadados, esmeraldas nos olhos das estatuetas. Quando o templo finalmente estiver igual à sua contrapartida na Terra da Pureza (reza a lenda) então nesse dia a humanidade terá cumprido sua função, e o Tempo chegará ao fim”.

Para esse tipo de cosmogonia, o Universo é uma obra-em-progresso que um dia estará pronta – e deixará de existir. Os leitores de FC irão recordar o conto de Arthur C. Clarke, “Os Nove Bilhões de Nomes de Deus”. Um grupo de monges do Himalaia contrata os serviços de um supercomputador (e respectiva equipe técnica) para fazer todas as combinações de letras possíveis formando todos os possíveis nomes de Deus. Dizem eles que a função da humanidade é descobrir esses nomes, e quando o fizer, seu trabalho estará encerrado. Certa noite, quando o trabalho está na reta final, faltando apenas uns minutos para ser completado, os técnicos resolvem cair fora dali, porque acham que nada vai acontecer e os monges ficarão furiosos. Quando fogem do mosteiro, um deles olha para o céu. E o conto se encerra com a frase hoje célebre: “No alto, sem alarde, as estrelas estavam se apagando de uma em uma”.

Essas histórias tão distantes entre si correspondem a nossa ânsia profunda de que o mundo faça sentido. O mundo (o Universo) é algo que foi montado por uma inteligência superior, tem um desenho, tem um desígnio, tem um propósito. Estamos aqui para remontar esse quebra-cabeças cósmico. Alguém (Deus, ou outras Divindades quaisquer), criou o Plano, estilhaçou tudo e misturou as peças. Estamos aqui para reconstituir o que foi estilhaçado e remontar o desenho primordial. Quando conseguirmos essa proeza, ironicamente, nossa existência deixará de ter propósito, porque a grande Pergunta terá sido respondida, o grande Vazio terá sido preenchido.

O ser humano é doido para dar um ponto final a si mesmo. O marxismo anunciou que a história humana se encerraria com o Comunismo. Em tempos mais recentes, um economistazinho de direita anunciou nos EUA “O Fim da História”, ou seja, o capitalismo atual seria o ponto mais alto da evolução social. Não admira que exista, do lado oposto, um exército incansável de exploradores do desconhecido, de poetas do absurdo, de coros de descontentes, de desarrumadores das idéias, todos dizendo: “Não! Não acabou ainda! Falta muita coisa!” E, como Penélope, desmancham a ciência e a filosofia recém-bordadas e começam tudo de novo, para adiar o Instante Terrível.

Um comentário:

Nina Almeida disse...

faz sentido,meu amigo,faz sentido...
abraço.