Ali estão discos perfeitos como o primeiro disco solo de Caetano, o “disco do fardão” de Gil, o Gal a Todo Vapor, os três primeiros (e melhores) dos Mutantes, o “disco tropicalista” de Nara Leão, os discos pós-prisão de Caetano e Gil, e assim por diante.
Esses discos abriram na música brasileira, para o bem e para o mal, uma porta que nunca mais será fechada.
Digo “para o bem” porque o nível de inteligência e de criatividade desses jovens artistas de vinte e poucos anos era uma coisa assombrosa. Compunham, cantavam, tocavam, escreviam e polemizavam num nível que a própria crítica não estava acostumada a presenciar – nem a acompanhar.
E digo “para o mal” porque o Tropicalismo sofreu o karma de todos os movimentos culturais que se impõem num mercado: foi diluído, bastardizado e deformado por seus próprios seguidores, aproveitadores, imitadores e epígonos.
O mundo é uma coisa engraçada. O fracasso de um movimento faz com que sua mensagem não encontre eco e sua ação se esvazie, mas em compensação seus princípios permanecem intactos, nas mãos de meia dúzia de guardiões fiéis.
O seu sucesso, por outro lado, faz com que os guardiões percam as rédeas do processo, e os princípios estéticos e ideológicos do Movimento sejam arrebatados pelos vendilhões do Templo, pelos oportunistas de última hora, pelos macaqueadores sem talento, pelos profissionais do rótulo e do slogan, pelos teorizadores desinformados, e pela multidão inevitável que sempre ouvirá o galo cantar mas nunca saberá onde.
O Tropicalismo teve inimigos à esquerda e à direita, mas se impôs porque teve a seu favor uma combinação propícia de circunstâncias. Teve o talento desmedido dos seus integrantes, teve o fato de defender o cosmopolitismo num momento em que isto significou uma oxigenação e um enriquecimento para a cultura brasileira, e o fato de que tinha a seu favor a mais poderosa das forças: o Mercado. O Mercado era mais preparado para utilizar as bandeiras da Tropicália do que as bandeiras, por exemplo, do Movimento Armorial ou da Poesia Concreta.
O Tropicalismo trouxe para dentro da MPB as influências da música erudita de vanguarda e da música eletrônica; trouxe a música pop dos Beatles e de Bob Dylan; trouxe uma relação com as artes plásticas e o design; trouxe (através do Concretismo, seu aliado de primeira hora) uma aguda consciência da Semiótica e da Teoria da Informação; fez um ajuste de contas (nem sempre bem compreendido) com elementos arraigados em nossa cultura como o kitsch e o melodrama.
Vê-lo hoje como um movimento que defendia a guitarra elétrica, as roupas de plástico e os cachos de bananas na cabeça é vê-lo no que trouxe de pior, e recusar o que nos trouxe de bom.
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