domingo, 11 de outubro de 2009

1297) Curso prático de cartomante (10.5.2007)



Como fazem as cartomantes para adivinhar nosso futuro? Ou, mais modernamente: como é que os autores de livros de auto-ajuda são capazes de adivinhar meus problemas e dizer coisas que servem como uma luva para aprumar minha vida? O psicólogo Ray Hyman, colaborador da revista Skeptical Inquirer (citada de vez em quando nesta coluna) resolveu fazer algumas experiências neste campo. Consultou hipnotizadores, lobistas, vendedores-de-enciclopédias a domicílio, publicitários, evangélicos, trambiqueiros profissionais – ou seja, todos os indivíduos que ganham a vida convencendo outras pessoas a fazerem o que é do seu interesse. (E a ambigüidade deste “seu” é proposital).

Hyman descobriu que os clientes desses indivíduos têm uma tendência (que os profissionais logo descobrem, incrementam e manipulam) a perceber mais significado numa situação do que de fato existe. Diante de frases aleatórias, essas pessoas projetam nelas suas próprias dúvidas e seus desejos, e encontram um sentido pessoal naquilo que foi dito. Disse Hyman: “Para conquistar a simpatia de uma pessoa basta dizer-lhe o que ela quer ouvir. Ela quer ouvir coisas a respeito de si mesma. Então, fale sobre ela mesma. Mas nunca lhe diga a verdade. Diga o que ela gostaria que fosse verdade”.

Uma das técnicas que Hyman aprendeu com seus consultores foi o que ele chama de “fishing”, “pescar”, e consiste em fazer com que o cliente fale bastante sobre si mesmo, e depois dizer-lhe a mesma coisa de volta, só que com outras palavras. Na maior parte dos casos, o sujeito não percebe. Outros conselhos: sempre dê a impressão de saber mais do que de fato sabe; não tenha medo de elogiar o cliente sempre que houver uma chance.

Hyman dedicou-se por algum tempo à leitura de mãos: pedia para ver a palma da mão de alguém e começava a dizer o que achava que aquela pessoa queria ouvir. O sucesso era imediato. A coisa chegou a um ponto em que ele começou a acreditar que tinha de fato poderes de adivinhação extra-sensorial. Para fazer um teste, começou a dizer exatamente o contrário do que as “palmas” pareciam dizer-lhe – e percebeu que as pessoas continuavam acreditando em tudo!

O que isto nos diz sobre a natureza humana é, em princípio, meio deprimente. Diz que somos crédulos, bobos, inseguros, e que qualquer pessoa perceptiva e pouco escrupulosa é capaz de nos levar na lábia, simplesmente através da adulação com ar professoral. (Grandes políticos e grandes “Don Juans” fazem isto pela vida afora.) Por outro lado, talvez nos diga algo de bom. Diz que acreditamos em nós mesmos; que procuramos sempre o melhor; que somos capazes de usar meia-hora de papo furado de um desconhecido como uma mola propulsora do nosso entusiasmo, de nossa vontade de fazer com que as coisas dêem certo. No dia em que uma cartomante me disser que eu vou fazer uma grande viagem e eu finalmente criar coragem e for conhecer o Japão, como posso me queixar dessa sábia madame?

Nenhum comentário: