(Oldboy)
Li um depoimento de um cara chamado Bob Bunker, que trabalha, nos EUA, com presidiários que precisam ser ressocializados após 20, 30 ou até 50 anos de prisão. Não é fácil lidar com esse pessoal. Eles passam décadas presos, sonhando com o mundo lá fora. E quando finalmente conseguem sair, descobrem que o mundo lá fora não existe mais. O mundo que conheciam, e para o qual esperavam voltar, desapareceu, e foi substituído por um mundo incompreensível. Muitos desses presos tinham apenas ouvido falar em telefones celulares (estou falando de prisões norte-americanas, claro) e na maioria das engenhocas eletrônicas que temos hoje. Quando saem à rua, estranham tudo: as marcas dos carros, a forma das roupas, a comida. Bunker declara que já viu prisioneiros voltarem a cometer crimes apenas para serem mandados de volta para a cadeia, e se sentirem de novo no interior de uma cultura que lhes é familiar.
Esta experiência é semelhante à que médicos já apontaram a respeito de cegos que recuperam a visão. Há casos de pessoas cegas desde a infância que recuperam a visão já na meia-idade, mas têm dificuldade em se adaptar. Um deles disse certa vez: “Quando eu era cego, atravessar uma avenida movimentada era muito fácil. Eu vinha andando até a esquina, parava no lugar certo, e esperava o sinal abrir. Quando as pessoas em volta começavam a atravessar, eu ia junto. Agora, que posso ver, eu percebo todos aqueles carros, com o motor ligado, impacientes, doidos para que o sinal abra e eles arranquem. Fico morrendo de medo, aí fecho os olhos, e atravesso”.
Há um livro de ficção científica de Stanislaw Lem, Retorno das Estrelas, que conta o regresso de um astronauta à Terra. Como viajou próximo à velocidade da luz, no interior de sua nave passaram-se apenas alguns meses, mas na Terra passaram-se séculos. O astronauta tem um choque cultural tremendo, diante de uma Terra incompreensível, na qual não consegue reconhecer o seu próprio mundo.
São três exemplos muito diferentes entre si, mas todos com o mesmo paradoxo. Um sujeito passa de uma situação pior para uma melhor, não se adapta a ela, e prefere em seguida voltar para a situação menos desejável, mas na qual se sente mais à vontade, pois já se acostumou. (Não sei se ocorre isto no livro de Lem, que não li.) São exemplos radicais pela sua nitidez e pelo seu aparente contra-senso, mas revelam uma dinâmica natural da nossa mente. Largamos um emprego aparentemente melhor por um emprego mais tranqüilo, largamos uma casa mais rica por uma casa mais confortável, encaixotamos os troços em Londres e vamos morar em Guarabira. Por que? Para alguns, por batida-de-pino, ou seja, por medo dos desafios, por incapacidade de enfrentar situações desconfortáveis. Para outros, pelo desejo instintivo de viver numa situação que possamos preencher por completo, compreender por completo, viver em plenitude.
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