sexta-feira, 17 de julho de 2009

1155) A Síndrome de Bonnet (25.11.2006)


("Darby O'Gill")

A Síndrome de Charles Bonnet (a sigla em inglês é CBS, e nada tem a ver com a rede de TV norte-americana) é uma rara anomalia visual em que as pessoas vêem objetos ou seres que não estão ali. Não se trata de uma alucinação, porque nas alucinações o senso de realidade da “vítima” fica prejudicado: ela tem dúvidas sobre a realidade ou não do que está vendo, e às vezes acredita piamente nas supostas aparições. Na Síndrome de Bonnet, a pessoa fica assustada, desorientada e preocupada com o que pode estar lhe acontecendo, mas como regra geral não lhe passa pela cabeça, nem por um momento, que aquelas coisas estejam de fato ali. É um erro do sistema visual, não um delírio da mente.

Há pessoas que vêem gnomos, há pessoas que vêm gente ou animais passando pelo meio da sala, há pessoas que vêem apenas padrões geométricos de linhas e formas. Não se sabe exatamente por que isto acontece, mas está ligado ao modo como o cérebro processa os estímulos que recebe através do nervo ótico e os organiza numa imagem coerente. E este processo não é simples. Por exemplo: as imagens que vemos são todas de cabeça para baixo, porque é assim que elas se formam numa câmara escura (como uma máquina fotográfica tradicional). Bebês vêem as coisas de cabeça para baixo, e só com um longo treinamento, através do tato, do andar, etc., aprendem a remontar essa imagem de modo a corresponder com a real posição das coisas.

Fico pensando se muito do que existe na literatura não será o produto indireto de visões deste tipo. A Síndrome de Bonnet ocorre em pessoas com problemas clínicos de visão, e acontece com mais freqüência em momentos de repouso, quando a pessoa está num ambiente familiar. Uma hipótese sugere que problemas de visão podem fazer o cérebro produzir imagens por conta própria, de modo meio descoordenado, para preencher regiões visuais que não estão captando bem a luz. Um amigo meu, médico, me contou uma vez que teve um problema neurológico que o impedia de ver tudo que havia no lado superior esquerdo de seu campo visual. Via tudo escuro? Não, diz ele: simplesmente aquele lado não existia, não era registrado pelo cérebro. Em casos parecidos, a Síndrome de Bonnet pode colocar ali gnomos, alienígenas, vacas pastando, janelas inexistentes.

Alucinações visuais e auditivas são recorrentes em pessoas submetidas a experiência de privação sensorial. Colocadas num quarto escuro e com isolamento sonoro, as pessoas daí a pouco começam a “ver” e “ouvir” coisas. Isto me lembra uma idéia recorrente na obra de Colin Wilson, a de que a consciência é um ato intencional. Não recebemos passivamente as idéias que pensamos: pensamos o que queremos pensar. A percepção sensorial (o que vemos, ouvimos, etc.) pode ser passiva, mas o ato de interpretá-las e organizá-las mentalmente é resultado da vontade. Em momentos de desequilíbrio, a mente produz seu próprio alimento. Os sonhos e a Síndrome de Bonnet podem ser dois lados de um mesmo processo.

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