Revi na TV esta comédia romântica de Billy Wilder. Lembrou-me certos folhetos de cordel em que a gente não bota muita fé porque já conhece a história, mas quando lê concorda que a leitura vale a pena pelo sabor do estilo e dos detalhes. Sabrina (1954) é um dos primeiros filmes que me lembro de ter visto, talvez com 6 ou 7 anos, e dele só recordava uma cena: um personagem senta sobre duas taças de champanhe, e depois um médico tem que extrair os cacos de vidro de suas nádegas. Criança esquece bailes, automóveis, mansões, brigas de socos, esquece até os movimentos dos olhos de Audrey Hepburn, mas não esquece uma cena assim.
Wilder conta sua Cinderela em celulóide com sutileza quase invisível. Ele usa o tempo todo, por exemplo, o tema visual da “barreira” entre os personagens. É a namorada de David (William Holden) pedindo-lhe (na quadra de tênis coberta) que se mantenha do outro lado da rede (e ele desobedecendo). É o plástico indestrutível em que Linus (Humphrey Bogart) aposta todas as fichas de sua corporação. São as sucessivas portas corrediças que é preciso transpor para entrar no escritório de Linus. É o diálogo entre este e o motorista, que lhe diz: “A sociedade é como uma limusine. Estão todos viajando juntos, mas existe o banco da frente, o banco de trás, e uma janela separando os dois”.
Diálogos são sempre uma das melhores coisas num filme de Wilder. Neste caso, não há como saber o que ele aproveitou da peça teatral em que o roteiro se baseia, mas, autoria à parte, não há como resistir a frases como “Democracia é uma coisa muito injusta... Nenhum pobre já foi chamado de democrático porque casou com um rico”.
Hoje, 50 anos depois, o presente modifica o Passado. Vemos com outros olhos Linus afirmar que só conhece Paris por ter feito lá uma conexão de vôo “porque estava indo fechar um negócio de petróleo no Iraque”. Ou quando ele e Sabrina passeiam de barco ouvindo a canção “Oh, yes, we have no bananas / we have no bananas today...” (de Frank Silver e Irving Cohn, 1923), que parece ter dado origem à marcha de Braguinha e Alberto Ribeiro, “Yes, nós temos bananas” (1937).
Como todas as comédias românticas, Sabrina tem a ausência de livre-arbítrio de uma tragédia grega. Mal os personagens são introduzidos percebemos que mesmo apaixonada por David, que é bonitão e galinha, Sabrina está destinada aos braços de Linus – workaholic, ensimesmado e carente. Há uma cena ótima, quando ela percebe estar-se apaixonando por Linus, em que David fica papagueando bobagens e ela pedindo: “David... me abrace... me abrace...” Lembra o diálogo em Os Brutos Também Amam, quando a esposa de Van Heflin, perturbada pela presença de Shane, pede com desespero ao marido: “Joe... abraça-me forte...” As histórias de amor de Hollywood são um pesado mecanismo de engrenagens de ferro, cujas intenções, depois que elas são postas em movimento, as personagens femininas são sempre as primeiras a vislumbrar.
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