domingo, 7 de junho de 2009

1077) Jornalismo e boca-livre (29.8.2006)



Comentei aqui nesta coluna o artigo de Eric D. Snider, “Eu me prostituí por mordomias”, sobre o derrame de dinheiro que as produtoras de Hollywood promovem para, teoricamente, “divulgar” o lançamento de um filme. A Paramount gastou mais de mil dólares só com Snider para que ele viajasse de Portland a Seattle e tivesse um total de uma hora de entrevistas (?) coletivas com atores e com o diretor do filme. Snider critica seus colegas jornalistas (nenhum dos quais ele conhecia antes) que participam da empreitada. Trata-os respeitosamente, mas sua crítica é feroz. Diz ele:

“Se o objetivo do estúdio é obter lucro com o filme, então é absurdo gastar tanto dinheiro com coisas que, no final das contas, na verdade não vão aumentar muito a venda de ingressos. Comerciais de TV, propaganda on-line, cartazes, trilhas sonoras – quanto a isto, tudo bem. Tudo isto faz sentido. Estas coisas têm influência direta sobre os consumidores. Mas essas materiazinhas fúteis que saem na imprensa como conseqüência dessas sessões de mordomias... isto pode levar às salas alguns poucos espectadores a mais, mas nada que justifique tamanha extravagância”. Snider foi banido pela Paramount de todas as “mordomias” da empresa, pelo resto da vida; diz ele que a produtora pressionou as outras para fazerem o mesmo (sem sucesso).

O capitalismo de entretenimento, ou a cultura-de-massas, submete-se a uma variante específica da Lei dos Rendimentos Decrescentes. Esta lei diz, mais ou menos: se dez pedreiros constroem um muro em duas horas, usar mil pedreiros não vai fazer o muro brotar em alguns segundos. Chega um ponto em que o aumento de um fator deixa de influenciar positivamente o resultado final. No caso de Hollywood ou da indústria fonográfica, criou-se ao longo das décadas um Aparato gigantesco para produzir, divulgar e distribuir um disco ou um filme, e a coisa chegou a um tal ponto que não é mais o Aparato que serve ao filme, mas o filme que serve ao Aparato. É uma indústria gigantesca de comerciais, bugigangas de divulgação, brindes, brinquedos, toneladas de papel impresso, entrevistas, matérias pagas, viagens, coquetéis, jantares, merchandising, etc. e tal

Acontece que não há como aferir (corrijam-me se eu estiver errado) se todo esse Aparato resulta ou não em mais ingressos vendidos. O filme é lançado, e os responsáveis alardeiam: “Divulgação não faltou”. Se o filme estoura na bilheteria (Piratas do Caribe 2), o pessoal do Aparato comemora, cobre-se a si mesmo de elogios. Se o filme é um fracasso (Alexandre), a culpa é do filme, porque “divulgação não faltou”. E na semana que vem o Aparato continuará funcionando a todo vapor, sugando dinheiro de outro filme, e de outro, e de outro. Como dizia Franz Kafka: “Os leopardos invadem o templo, e bebem o conteúdo dos vasos sagrados. Com o tempo, a invasão torna-se habitual, e acaba sendo incorporada à cerimônia”.

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