terça-feira, 2 de junho de 2009

1065) Casas mal assombradas (15.8.2006)





Tudo pode ser explicado cientificamente. Ruídos estranhos à noite, então, nem se fala. O vento ao entrar por frestas estreitas produz silvos, produz chiados. Quando ele passa por algum trecho onde há pedaços de madeira meio soltos, eles vibram, tatalam, criam um som parecido com o do bater de asas de uma mariposa das grandes ou um morcego dos pequenos. 

Correntes de ar costumam derrubar pequenos objetos num aposento vazio: uma revista, um chapéu, um porta-retratos com a foto de alguém que já faleceu. Também são responsáveis por aquelas quedas momentâneas de temperatura que provocam um calafrio – aparentemente inexplicável, porque segundos depois a temperatura volta ao normal, e a pessoa sente-se arrepiada da cabeça aos pés.

Casas antigas, com assoalho ou paredes de madeira, têm sua respiração própria, composta de dilatações e contrações. 

A madeira se expande e se contrai o tempo inteiro, algo que não é percebido durante o dia, com pessoas em movimento, rádio ligado, ruídos constantes. Mas à noite, quando todo o resto silencia, conseguimos escutar aqueles estalos, aqueles rangidos, aqueles barulhos repentinos que nos dão a idéia de pés invisíveis mas pesados premindo as tábuas do andar superior.

Isto para não falar nas criaturas que as grandes casas, e até os apartamentos modernos, costumam abrigar. 

Baratas parecem silenciosas, mas só quando as vemos cruzando os ladrilhos de cerâmica das paredes ou do assoalho. Elas produzem ruído quando correm por dentro dos armários, desequilibrando os talheres empilhados uns sobre os outros, fazendo roçagar as folhas de jornal que forram as prateleiras embaixo da pia, roçando de encontro aos ruidosos sacos plásticos que nas casas modernas se amontoam em todos os recantos. 

Baratas são responsáveis por muito daquele burburinho inquietante que percorre a madrugada; para não falar nos ratos.

Luzes estranhas? Reflexos dos faróis dos carros que passam na estrada, lá longe. Portas que se abrem sozinhas? O vento, mais uma vez. Uma pilha de panelas e pratos que desmorona com estardalhaço, numa cozinha deserta? Mais uma vez a mudança de temperatura, que contrai minimamente a louça ou o metal, até fazer colapsar o amontoado inteiro. Objetos colocados num lugar, que aparecem em outro? Distrações, quebras de memória.

Silhuetas ectoplásmicas, fosforescentes, que brotam sob o dossel da cama? Efeito da brancura dos lençóis sobre uma retina fatigada e sensível. Rostos cadavéricos e mãos descarnadas que surgem na vidraça, querendo entrar? Mera ilusão de ótica, alterando a imagem das árvores e das cercas lá fora. 

Criaturas de pesadelo que agarram nossos cabelos, rasgam nossas roupas, cravam em nós seus caninos aguçados e suas unhas recurvas? Meras alucinações, estados alterados da consciência, mistura imprudente de uísque, cachimbo e romances góticos após a meia-noite, horário em que, vamos e venhamos, certos portais da Mente deveriam permanecer fechados.







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