segunda-feira, 20 de abril de 2009

0991) O azinhavre da alma (20.5.2006)




Certas pessoas parecem ter uma espécie de azinhavre na alma, uma gastura, um amargor entranhado cuja existência talvez nem elas mesmas percebam. 

Esse amargor não é a Maldade, pois algumas delas são pessoas escrupulosamente éticas, corretas, impecáveis. Mesmo assim, quando nos relacionamos com elas acabamos sentindo, cedo ou tarde, aquela acidez. 

Por mais que a gente tente dissipar com brincadeiras, amenidades e água mineral, acaba absorvendo aquele mal-estar, aquela sensação de argueiro invisível grudado no olho.

Por algum tempo pensei que isso fosse frustração, porque conheci gente que nunca fez outra coisa senão dar com a cara na porta, chutar na trave. É de se esperar que com o passar dos anos vá se acumulando dentro delas aquele “gosto amargo de infelizes”, aquela saudade que se sente após um futuro bom que foi ultrapassado sem ter existido. 

Mas, também não é só isso. Também conheço gente bem-sucedida, escanchada em cima de um Everest de triunfos, gente que se refestela nas próprias memórias como um Tio Patinhas nadando em seu tanque de moedas. Têm todos os motivos para a generosidade e a compaixão. Vistas de longe parecem ter a alma coberta de açúcar e mel-de-engenho, mas quando conseguimos ter um vislumbre dessa alma, recuamos. Ali está o terrível vazamento de vinhoto, brotando às ocultas de alguma tubulação defeituosa da usina.

Riem muito, mas em geral é às custas de alguém. Elogiam, mas sempre com alguma ressalva cruel. Fazem favores, mas sempre com aquela pose guardada de quem pretende cobrá-los na primeira oportunidade. Catalogam as pessoas pelos defeitos ou problemas que elas têm: “Fulano? Acho que sei quem é, não é aquele que é brigado com o pai?...” 

Parecem viver numa busca silente e ansiosa por coisas que não dão certo, e observam o comportamento das outras pessoas como quem examina seus ombros em busca de sinais de caspa.

Quando lhes fazemos uma pergunta um pouco mais pessoal, quando queremos saber algo mais sobre elas mesmas, dão-nos dois tipos de resposta. 

Pode ser um auto-elogio, daqueles tão pré-moldados e definitivos que não nos deixam saída senão concordar com um “hum-hum” qualquer e tentar mudar de assunto; ou pode ser uma auto-depreciação azeda, com tintas de melodrama, quase que nos obrigando a mentir: “Que é isso, eu acho que você tá super-bem...” 

O mundo tem muita gente assim. Ou talvez seja mais honesto dizer que todo mundo tem momentos assim, fases da vida em que fica assim.

Reze para fugir disso, caro colega; porque eu rezo tanto! O presente texto é uma dessas orações, uma oraçãozinha agnóstica que dirijo a mim mesmo ou a alguma Potestade bondosa que por acaso esteja à escuta. 

O velho Augusto Matraga, ao limpar-se de seu próprio azinhavre, dizia: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso”. Se você não crê em Jesus, colega, redija sua própria prece. Mas não deixe essa coisa tomar conta.






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