Na adolescência fui um bom leitor de romances históricos, embora confesse envergonhado que não li clássicos como Sir Walter Scott. Li seu maior seguidor, Conan Doyle, e sempre acreditei que aquela Idade Média ou aquela Era Napoleônica descrita em seus livros era – o termo é inevitável – realista.
O mesmo ocorria com os romances de capa-e-espada de Michel Zevaco, que, simpatizante do socialismo, criava “vastos painéis sociais” onde ações individuais e forças coletivas se entrechocavam para criar a História.
Qual não era minha surpresa quando, anos depois, estudando história da França, eu reencontrava todos aqueles personagens que imaginava terem sido inventados por Zevaco.
Eu poderia prosseguir falando em Alexandre Dumas, Tolstoi, Maurice Druon, e tantos outros, mas passemos adiante. Um romance histórico é uma obra realista? Em princípio, sim, se o autor procurar informar-se o melhor possível sobre a época escolhida. Não basta ambientar uma história no Egito dos faraós e depois contar tudo como se acontecesse na esquina daqui de casa.
É preciso conhecer o espírito da época, a mentalidade do povo, quais as idéias que predominavam, os fatos históricos mais importantes, e, acima, de tudo, aquilo que hoje chamamos de “pequena História”: a vida cotidiana, os hábitos, os meios de transporte, a alimentação...
Como se iluminavam as casas à noite? Quem saía na chuva, usava o quê? Como eram as saudações entre pessoas de diferente idade, diferente classe social? Como eram dispostos os aposentos de uma casa? Quais as moedas usadas, quais as armas, quais os calçados, quais os remédios? Com que brincavam as crianças? E assim por diante.
Por mais que a pesquisa seja detalhada (e, tiremos o chapéu, os romancistas históricos de hoje fazem bem seu dever de casa) todo o resto é fantasia. Queiramos ou não, não há como sabermos como eram as pessoas daquele tempo. Imaginar o passado remoto é tão especulativo como imaginar o futuro, como faz a ficção científica.
Ariano Suassuna costuma contar um episódio divertido de uma peça de teatro que viu certa vez num circo. A história se passava na Idade Média e de repente um personagem dizia para o outro: “Nós, que somos cavaleiros medievais...” E ele pergunta: “Oxente, o cara já sabia que era medieval?”
Este pequeno deslize é típico do romance histórico, mesmo o de melhor qualidade literária. Queira ou não, o autor trata seus personagens do ponto de vista do século 21, e às vezes dá um escorregão como este.
Pensar como eram as pessoas no Brasil Holandês, ou como eram na Espanha muçulmana ou em Roma antiga, é um exercício de fantasia. Estes livros têm uma superfície realista, mas no fundo são obras de imaginação, tanto quanto O Senhor dos Anéis. Se o autor os escreve como se fosse um catálogo de fatos, corre o risco de ser chato. Se deixa a imaginação voar livre, seus gregos ou romanos ficarão cada vez mais parecidos com ele próprio.
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