terça-feira, 14 de abril de 2009

0977) O Cânone (4.5.2006)




(Cobra Norato, de Raul Bopp)

A revista Continente Multicultural está preparando uma matéria sobre o cânone literário brasileiro, e para isto fez uma enquete com escritores, críticos, etc. 

Temos que sugerir dez títulos (entre ficção e poesia) de obras que achemos com qualidade suficiente para figurar nesta lista de obras obrigatórias para se conhecer uma literatura. 

Estabelecer um cânone é uma tarefa tão espinhosa quanto escalar a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos, pelo simples fato de que o valor dos nomes antigos não se dissipa com o tempo, e novos nomes não param de surgir.

De qualquer modo, algumas obras antigas têm preferência, pela simples razão de que sua importância tende a crescer com a passagem dos anos, o aumento da “fortuna crítica”, as biografias, os estudos, etc. O cânone vai se solidificando desta forma, com alguns clássicos indiscutíveis firmando cada vez mais sua posição. 

Numa votação para um cânone de literatura brasileira, quem ousaria deixar de votar em obras definitivas como Dom Casmurro de Machado de Assis ou Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa?

Bem, eu ouso. Como é uma simples votação de revista, que não pode acarretar prejuízos financeiros ou editoriais para os autores envolvidos, tive a idéia de esquecer clássicos deste porte e votar em dez obras que me parecem perfeitamente legítimas como expressões literárias do nosso país, mas que talvez (na minha opinião) não figurem na lista final. 

Sugeri seis obras de prosa:

Corpo de Baile de J. G. Rosa 
Memórias Sentimentais de João Miramar / Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade 
A Pedra do Reino de Ariano Suassuna 
Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato 
A Grande Arte de Rubem Fonseca 
Nove, Novena de Osman Lins. 

E quatro de poesia: 

Invenção de Orfeu de Jorge de Lima 
Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles 
Eu de Augusto dos Anjos 
Cobra Norato de Raul Bopp.

Não sei se estes títulos podem desbancar outros como A Educação pela Pedra de João Cabral, Macunaíma de Mário de Andrade, A Rosa do Povo de Drummond e por aí vai. 

O problema com conceitos como o de cânone é que os votantes começam a se concentrar cada vez mais numa lista consensual em que certos títulos vão sendo considerados intocáveis, a ponto que dificilmente um livro mais recente tem chance de desbancá-los. 

O título mais recente de todos os que citei aqui é o livro de Rubem Fonseca, de 1983, vinte e três anos atrás. Quero só ver qual o título mais recente no “cânone” final.

Parece coisa de desocupado, mas é um mecanismo inevitável da cultura. Tudo precisa de um núcleo, de uma medula, de um conjunto de elementos sobre os quais todo mundo está de acordo. Todo mundo precisa de uma régua e compasso, e isto que chamamos de “cânone” é a régua de medir quem surge. 

Creio que a lista que forneci acima é um filtro exigente e capaz de dizer aos novatos: “Isto é o que temos até agora. E você, trouxe o quê?”






3 comentários:

Arthur Muhlenberg disse...

O Reinações de Narizinho realmente me surpeendeu. Rola um desenvolvimento?

Braulio Tavares disse...

Arthur, toda a obra de Lobato eu acho notável, mesmo com as ressalvas ao racismo dele, etc. Me foi muito importante durante toda a infância. Talvez eu venha a escrever a respeito, mas eu casos assim eu sempre me obrigo a reler, agora. Não escrevo baseado na memória. Tem que reler.

Mauricio disse...

Eu ainda acho Chave do Tamanho uma ponto fora de qualquer curva e lista. Li criança e meu queixo nunca mais encaixou de volta no lugar. O zumbido no ouvido ficou para sempre também.