terça-feira, 24 de março de 2009

0914) Antonio Callado, 90 anos (19.2.2006)




Li no jornal que em 2007 serão comemorados “in memoriam” os 90 anos de Antonio Callado, e percebo o quanto eu próprio estou me aproximando dessa idade. Sou do tempo em que Antonio Callado era considerado o maior romancista brasileiro vivo. Callado é sem dúvida o maior romancista do Brasil da ditadura, por sua inigualável trilogia de romances retratando esse período histórico. 

Muita gente deve pensar que com essa minha mania por ficção científica eu sou inimigo da literatura realista. Ledo engano, camaradas. O Realismo é belo e necessário, mas é um troço tão filosoficamente difícil e tão superficialmente fácil que para fazê-lo com méritos é preciso ser um artista superior, um escritor gigante, coisa que mestre Callado indubitavelmente foi.

Quarup (1967) é um romance maciço, um épico gigantesco que acompanha a vida do Padre Nando em suas crises existenciais, até conhecer o sexo, se embrenhar na floresta para conviver com os índios, flertar depois com as Ligas Camponesas, e viver com intensidade o Brasil pré e pós-1964. O livro se baseia em muitas viagens que Callado fez ao Nordeste e ao Brasil inteiro como jornalista. É uma prosa brilhante, derramada, caudalosa, como se a exuberância de um romance de Jorge Amado fosse posta em prática por alguém com refinamento europeu e maior percepção ideológica.

Bar Don Juan (1971) é a história da guerrilha rural, dos jovens jornalistas e intelectuais de esquerda que se cansam de teorizar a revolução marxista nos bares da Zona Sul carioca e se embrenham no mato para combater a ditadura. Idas e vindas, marchas e contramarchas, amores e desamores, violência e morte... Uma visão talvez romantizada daquele período de muita violência de parte a parte, mas para mim (que li o livro com vinte e poucos anos) era “the real thing”, era como se um correspondente estrangeiro pudesse penetrar naquele universo inacessível e nos telegrafar o que estava acontecendo ali.

Reflexos do baile (1976) é o que os críticos chamam um “tour de force”, e conta a fase seguinte, a da guerrilha urbana e dos seqüestros de embaixadores. O livro é narrado inteiramente através de cartas e bilhetes escritos pelos terroristas, pelos agentes de segurança, e por diplomatas de vários países. Callado chega ao requinte de redigir as cartas originais em inglês e as respectivas traduções; o embaixador português escreve, é claro, em português-de-Portugal; e assim por diante. Estilisticamente é sua experiência mais radical, um livro fininho mas extremamente denso.

Se você, leitor jovem ou de qualquer idade, quiser ter uma idéia geral do que era o Brasil da ditadura, do que se discutia, de como se vivia, do que era considerado importante, das tendências e modismos, das coisas pelas quais alguém admitia ser capaz de matar ou de morrer, leia estes três romances, nesta ordem. Você e a sua idéia do Brasil nunca mais serão os mesmos.





2 comentários:

Fernando Cavallieri disse...

Guimarães Rosa resume em uma palavra, no prefácio de Quarup, o que é esta obra: "COLOSSO".

Leon Nunes disse...

Belo artigo, Mestre Braulio.
A gente passa a conhecer outros autores através de ti.
Gratidão
Abraços no coração