quarta-feira, 30 de julho de 2008

0476) A régua de cada um (28.9.2004)








Sou um consumidor voraz de cultura-de-massas (leia-se: histórias em quadrinhos, filmes, TV, pocket-books). Tenho críticas a fazer a esse tipo de produção, mas também tenho numerosos elogios. E procuro criticar dentro dos pontos de referência da própria cultura-de-massas. Se leio um livro policial mal escrito, eu não digo: “Fulano não escreve tão bem quando Henry James ou Proust”. Digo: “Fulano não escreve tão bem quanto Raymond Chandler.” Para criticar a indústria cultural não é preciso recorrer a Shakespeare ou a Beethoven. Quem faz isso é o pessoal erudito e preconceituoso, que tem medo de se contaminar lendo ou ouvindo essas obras bárbaras, e, como não tem uma visão geral daquilo que está criticando, só consegue criticá-lo utilizando parâmetros que não têm nada a ver. A literatura de cordel, por exemplo, está cheia de folhetos medíocres, mas de nada adianta dizer que são medíocres comparados aos versos de João Cabral; se são medíocres é porque não alcançam o nível de um Delarme Monteiro ou de um Manuel Camilo.

Não acredito que exista em Arte um critério universal do que é Bom, Belo, ou Importante. Não existe, e ponto final. Temos dezenas de critérios diferentes, que podem ser aplicados tanto a um quadro de Van Gogh quanto a um quadrinho de Ziraldo, e que vão se superpondo, uns somando, outros diminuindo, até a gente poder atribuir um valor relativo a cada obra. Dizer que Van Gogh é melhor do que Ziraldo, ou vice-versa, é bobagem. É como dizer que laranja madura é melhor do que calças jeans. Cada artista pertence a numerosas categorias: época, lugar, estilo, técnica, universo temático, etc. Em cada uma delas, seu trabalho pode ser confrontado com o de diferentes pessoas. Comparar Ziraldo e Van Gogh é meio complicado porque os dois só têm em comum o fato de ambos trabalharem com artes visuais. Já uma comparação entre Ziraldo e Jaguar como cartunistas e quadrinhistas, brasileiros, e da mesma geração, é bem mais sensata. Comparar Ziraldo com Ângelo Agostini, quadrinhista brasileiro de cem anos atrás, já fica um pouquinho mais difícil; e assim por diante.

Será que dá para comparar, por exemplo, a obra de Elino Julião com a de Tom Jobim? São brasileiros, são músicos populares, são contemporâneos um do outro... Mas mesmo assim tem algo aí que não me convence. Não são farinha do mesmo saco. Fazem Música Popular Brasileira, mas os departamentos em que trabalham ficam a quilômetros de distância. Dizer que Tom é melhor porque sua música é “mais complexa, mais rica, mais sofisticada” é tão injusto com Elino Julião quanto dizer que este é melhor do que o maestro porque sua música “é mais espontânea, é mais de-raiz, é mais popular”. Músicas diferentes cumprem funções diferentes, e por causa disto públicos diferentes as procuram por motivos diferentes – ou um mesmo público (eu, por exemplo) procura cada um em diferentes momentos. Difícil medir ambos por uma régua só.

2 comentários:

alana disse...

Eu definitivamente não entendo comparações. Meu gosto é melhor que o teu, minha cultura é melhor que a tua. Claro que há alguns casos perdidos, e algumas verdades absolutas - se bem que duvido que sejam tantos assim uns ou outras - mas o que me incomoda é a impressão de que se colocam artistas e suas obras como cavalos disputando uma corrida. E ainda pode haver uma versão mais perversa: meu Tom Jobim é melhor que o teu, porque EU conheço mais dele, EU sei mais. Haja régua!

alana disse...

Voltando. Talvez nem tenha muito a ver, mas...:
http://www.youtube.com/watch?v=1x5SDCEOG6A