quinta-feira, 17 de julho de 2008

0449) O ovo olímpico (27.8.2004)



Brasileiro adora contar com o ovo no asterisco da galinha. Ainda mais quando se trata da galinha-dos-ovos-de-ouro da glória olímpica. É engraçado comparar a empáfia brasileira com a empáfia norte-americana. Os nossos simpáticos irmãos do Norte se acham os donos do mundo em qualquer coisa. O campeonato de beisebol deles é chamado de “World Series”, mas tudo bem – afinal, quantos países jogam beisebol além dos EUA, Cuba e Japão? Faz um pouco de sentido. Não faz é no basquetebol. O nível da NBA americana pode ser impressionante, mas fora dos EUA sempre existiram escolas de basquete respeitadíssimas. Não importa: me lembro de que um dia desembarquei em Chicago e vi o aeroporto de Ohare totalmente decorado com faixas dizendo: “Saudamos os Campeões do Mundo!” Era o Chicago Bulls que tinha acabado de conquistar o campeonato americano.

O Brasil é o contrário. Tirando o bendito futebol, que anda numa fase boa (duas Copas e um vice nos últimos 10 anos), os vôleis e alguns esportes aquáticos, estamos entre os melhores em que, mesmo? Note a sutileza, leitor: não falei “somos os melhores”, e sim “estamos entre os melhores”, o que na minha modesta opinião exprime muito melhor a realidade do esporte. Ninguém “é o melhor” em coisa nenhuma. No esporte, o que existe é uma espécie de grupo de elite que vai de dois ou três até uma dúzia de competidores, todos mais ou menos num mesmo nível. Os resultados se decidem por detalhes: preparação técnica e física, inovações táticas, nervos no lugar, etc. Sem falar no Sobrenatural de Almeida, o personagem criado por Nelson Rodrigues, e que melhor traduz o elemento imponderável e imprevisível que tantas vezes decide uma competição.

O engraçado é que quando se trata da honra da pátria brasileira, parece que até o Sobrenatural de Almeida é barrado na porta. Vi numa TV, semana passada, o locutor anunciando eufórico: “E não percam, na próxima segunda-feira, a transmissão do ouro olímpico de Daiane dos Santos!” Pobre de Daiane, que treina 7 horas por dia. Parecia ser ela a única a saber que ao trilar do apito tudo é zerado, e você tem alguns segundos para tentar a perfeição pela milésima vez. De nada adiantam os resultados anteriores. Na véspera da final, ela disse: “Treinei, repassei a série toda, o joelho não doeu, estou bem. Agora, quando for na hora tem que sair tudo certo.”

Certa vez Zico comentou um fracasso da nossa Seleção: “Parece que eles não foram disputar uma medalha, foram buscar uma medalha.” Daiane foi disputar. Tinha vencido cinco competições seguidas, mas isto nunca garante que alguém vencerá a sexta. Resultados não se acumulam. O que se acumula (e é patético termos que reconhecer isto) é o nosso complexo de inferioridade de terceiro-mundistas, sempre esperando o salvador-da-pátria que vingue todas as nossas humilhações passadas. Peso demais para quem busca a perfeição em um minuto e meio.

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