terça-feira, 24 de junho de 2008

0419) Privacidade zero (23.7.2004)



(capa do exemplar do Secretário de Justiça)

Os assinantes da revista Reason tiveram um susto no mês de junho ao receber seu exemplar pelo Correio. Ao pegar a revista, William Thompson, morador de Nova York, não acreditou. A chamada de capa, em grandes letras, dizia: “William Thompson, eles sabem onde você está!” E um subtítulo, em letras menores: “Os benefícios não-celebrados de uma nação transformada em banco de dados”. A ilustração mostrava uma foto aérea do quarteirão onde ele morava, com um círculo vermelho assinalando o seu prédio. “Fiquei famoso!” pensou William, e ligou para seu pai, Bob Thompson, que mora em Miami. O pai atendeu e foi logo dizendo: “Você não vai acreditar... Meu nome e a foto daqui de casa saíram na capa da Reason!”

“Reason” é uma dessas revistas liberais tipicamente norte-americanas, defensoras “da liberdade e das escolhas individuais em todas as área da atividade humana.” A revista se propôs a enviar, para cada um dos seus 40 mil assinantes, um exemplar com capa personalizada, contendo seu nome, a foto do lugar onde ele morava, e (na matéria interna) dados sobre sua vizinhança. (Os exemplares vendidos nas bancas saíram com uma capa padrão, não personalizada) Assim, cada assinante recebeu a “sua” revista, inclusive o todo-poderoso John Ashcroft, Secretário de Justiça dos EUA.

A façanha técnica foi resultado de uma aliança da revista com vários parceiros. O banco de dados foi fornecido pela Entremedia, uma empresa de marketing direto de San Bernardino (Califórnia), que baixou da Internet todas as fotos aéreas e os mapas, além dos dados sobre os assinantes e suas ruas, recolhidos do saite do Escritório de Recenseamento dos EUA. A empresa levou uma semana criando um arquivo individual para cada um dos assinantes. Armazenados em dois discos rígidos, os arquivos foram transferidos para o Laboratório de Comunicação da Cal Poly (California Polytechnic State University, em San Luis Obispo), onde os dados foram organizados, diagramados, e alimentados numa máquina Xeikon DCP 50D, fornecida pela Xeikon America. Cada capa foi impressa individualmente e depois reunida ao corpo da revista.

Segundo o editor-chefe da “Reason”, Nick Gillespie, a equipe levou seis meses reunindo dados e imprimindo cópias-teste antes de se lançar à empreitada. “Nenhuma das principais pessoas envolvidas trabalhava no mesmo escritório, nem sequer no mesmo fuso horário,” disse ele. E qual o objetivo disto tudo? A revista pretende mostrar ao cidadão comum que, em certa medida, já vivemos na civilização do “Big Brother” – o de George Orwell, por favor, não aquela bobagem da Rede Globo. No momento em que o Governo (norte-americano, no caso) quiser reunir uma quantidade massacrante de dados sobre qualquer cidadão, isto pode ser feito em questão de horas. “Isto levanta questões sobre privacidade,” admite Gillespie, “mas também torna nossa vida mais fácil e mais próspera. Talvez estejamos dando adeus ao conceito de privacidade, mas já era tempo.”


2 comentários:

Elvis "Wolvie" disse...

Uau!
Que genial.
E não deve ter saído barata para a revista essa idéia, hein? Imagine imprimir 40 mil capas diferentes? Mas muito interessante a iniciativa. No Google Earth ou até mesmo na Wikimapia podemos obter essas coisas do mundo inteiro. Pior: tá lotado de gente que anota no Wikimapia onde mora. Então muitas vezes nem sequer precisamos ter o endereço, encontramos só pelo nome.
É evolução? Sim.
Ficção científica virando realidade? Sim.
Big Brother? Quase lá!

Não tardará muitos anos para essas imagens se tornarem vídeos, em tempo real. E então poderemos observar quem sai de casa e a que horas. Se o marido chega no trabalho. Se a criança está cabulando aulas. Essa é apenas uma das inovações nesse sentido. Com os Location-Based Services (LBS), este conceito vai muito além do que podemos imaginar. Um simples celular poderá nos avisar se o marido saiu do trabalho fora do horário. Ou poderá nos enviar uma oferta quando nos aproximamos de uma loja de calçados. Já pensou? Spam via SMS.
Contudo, o pior passo nesse sentido é o RFID. Logo todos os americanos terão um chip implantado e serão monitorados 24x7.

Já assistiu ao documentário Zeitgeist? Muito interessante, e em um trecho aborda essa invasão.

Braulio Tavares disse...

Não vi o "Zeitgeist". Mas tem um filme policial em que um detetive rastreia Robert de Niro (que está fugindo dele) ligando para a companhia de cartão de crédito, fingindo que é ele, e perguntando onde fez as últimas despesas. A moça responde: "Ora, o sr. acabou de comprar uma passagem para Chicago, no aeroporto de Boston..." ou coisa parecida.