Um dos livros de memórias de Georges Perec chama-se Je me souviens (Eu me lembro). O de Daniel Filho, o conhecido diretor da TV-Globo, chama-se Antes que me esqueçam. O humorista Jaguar escreveu Ipanema: se não me falha a memória.
Não duvido que, se saíssemos pesquisando por aí, seria possível enfileirar uma estante inteira de títulos semelhantes, todos eles nos dando a sensação de terem sido escritos numa corrida contra o relógio ou contra o calendário, uma corrida para evitar que as lembranças de seus autores sumissem num processo fatal e irreversível de evaporação.
Em seu filme Roma, Fellini nos mostra uma escavação de metrô no centro de Roma que desemboca casualmente numa galeria soterrada, do tempo dos Césares. Os operários e engenheiros penetram naquele túnel subterrâneo com suas lanternas, maravilhando-se diante das belas pinturas que enfeitam as paredes. Daí a algumas horas, no entanto, percebem com terror que a entrada do ar fresco e o calor das lâmpadas está fazendo desaparecer aquela tinta que se mantivera intacta durante séculos.
Todos correm, gritando por fotógrafos e cinegrafistas, pedindo que venham logo para registrar o que resta; e enquanto ouvimos a balbúrdia dos gritos e chamados vemos que as pinturas esmaecem, desbotam, apagam-se lentamente.
Assim é a nossa memória, mesmo a dos fatos mais marcantes. No momento em que as coisas acontecem, tudo é tão vívido, tão real! Tudo nos dá a certeza absoluta de que jamais esqueceremos.
Lembro-me de uma noite, uns dez anos atrás, no Circo Voador, quando houve uma coletiva musical de artistas nordestinos (Alceu Valença, Fagner, Lenine, inúmeros outros) em benefício da Feira de São Cristóvão. Eu também cantei nessa noite, e houve um momento, no camarim, em que eu estava ao lado de Zé Calixto, o gênio do fole-de-8-baixos, quando entrou Hermeto Paschoal, que se dirigiu a ele: “Você é Zé Calixto? Muito prazer, eu sou Hermeto Paschoal, e sou o seu maior fã.”
Os dois conversaram durante meia-hora na minha frente, e eu decorei bem direitinho todos os assuntos deste encontro histórico. Conversa vai, cerveja vem, a noite acabou, eu voltei para casa e... o que foi que falaram? Não lembro mais. Não anotei. Evaporou.
Uma vez perguntaram a Hermínio Bello de Carvalho alguma coisa a respeito da vida de Pixinguinha, de quem ele foi grande amigo. E Hermínio comentou, com uma ponta de melancolia: “Pois é, rapaz... eu passei uns 20 anos pensando em fazer essa pergunta a Pixinguinha, mas nunca tive a chance. Agora é tarde.”
É assim que passam os momentos da nossa vida. Contemplamos encontros inéditos, presenciamos fatos históricos, vivemos momentos que um dia teríamos orgulho de contar para os nossos netos... mas às vezes nada fica desses momentos.
Nossa memória são painéis imensos feitos de fumaça, à espera de uma câmara polaróide que os registre. Por isso eu aconselho: anotem, rapaziada. Lápis e papel na mão. O tempo não pára.
Não duvido que, se saíssemos pesquisando por aí, seria possível enfileirar uma estante inteira de títulos semelhantes, todos eles nos dando a sensação de terem sido escritos numa corrida contra o relógio ou contra o calendário, uma corrida para evitar que as lembranças de seus autores sumissem num processo fatal e irreversível de evaporação.
Em seu filme Roma, Fellini nos mostra uma escavação de metrô no centro de Roma que desemboca casualmente numa galeria soterrada, do tempo dos Césares. Os operários e engenheiros penetram naquele túnel subterrâneo com suas lanternas, maravilhando-se diante das belas pinturas que enfeitam as paredes. Daí a algumas horas, no entanto, percebem com terror que a entrada do ar fresco e o calor das lâmpadas está fazendo desaparecer aquela tinta que se mantivera intacta durante séculos.
Todos correm, gritando por fotógrafos e cinegrafistas, pedindo que venham logo para registrar o que resta; e enquanto ouvimos a balbúrdia dos gritos e chamados vemos que as pinturas esmaecem, desbotam, apagam-se lentamente.
Assim é a nossa memória, mesmo a dos fatos mais marcantes. No momento em que as coisas acontecem, tudo é tão vívido, tão real! Tudo nos dá a certeza absoluta de que jamais esqueceremos.
Lembro-me de uma noite, uns dez anos atrás, no Circo Voador, quando houve uma coletiva musical de artistas nordestinos (Alceu Valença, Fagner, Lenine, inúmeros outros) em benefício da Feira de São Cristóvão. Eu também cantei nessa noite, e houve um momento, no camarim, em que eu estava ao lado de Zé Calixto, o gênio do fole-de-8-baixos, quando entrou Hermeto Paschoal, que se dirigiu a ele: “Você é Zé Calixto? Muito prazer, eu sou Hermeto Paschoal, e sou o seu maior fã.”
Os dois conversaram durante meia-hora na minha frente, e eu decorei bem direitinho todos os assuntos deste encontro histórico. Conversa vai, cerveja vem, a noite acabou, eu voltei para casa e... o que foi que falaram? Não lembro mais. Não anotei. Evaporou.
Uma vez perguntaram a Hermínio Bello de Carvalho alguma coisa a respeito da vida de Pixinguinha, de quem ele foi grande amigo. E Hermínio comentou, com uma ponta de melancolia: “Pois é, rapaz... eu passei uns 20 anos pensando em fazer essa pergunta a Pixinguinha, mas nunca tive a chance. Agora é tarde.”
É assim que passam os momentos da nossa vida. Contemplamos encontros inéditos, presenciamos fatos históricos, vivemos momentos que um dia teríamos orgulho de contar para os nossos netos... mas às vezes nada fica desses momentos.
Nossa memória são painéis imensos feitos de fumaça, à espera de uma câmara polaróide que os registre. Por isso eu aconselho: anotem, rapaziada. Lápis e papel na mão. O tempo não pára.
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