quarta-feira, 16 de abril de 2008

0372) Os narco-corridos (29.5.2004)



Os “corridos” são um tipo de poesia popular mexicana, cultivado largamente desde o século 19; uma poesia narrativa, feita em estrofes de formato fixo, narrando fatos históricos, ou episódios jornalísticos do presente. Existe, por exemplo, um imenso repositório de corridos contando episódios da Revolução Mexicana. Seria o equivalente mexicano aos nossos folhetos de cordel, se bem que com textos mais curtos, de tamanho próximo a uma letra normal de canção. Além disso, o corrido é um poema cantado que às vezes é impresso, enquanto o cordel é um poema impresso que às vezes é cantado. Musicalmente, os corridos são uma mistura de valsa e polca, acompanhada por violões, sanfonas ou por naipes de metais.

O corrido vem passando por uma mutação curiosa nas últimas décadas. Assim como cresceu no cordel o ciclo do cangaço, celebrando o feito dos bandidos sertanejos, o corrido mexicano celebra hoje os feitos dos traficantes de drogas. Coisa semelhante ocorre nas favelas cariocas, onde proliferam os CDs de rap e funk com letras que glorificam a droga, elogiam a bravura dos bandidos, e zombam da polícia. No México, chama-se a esse tipo de canção “narco-corridos”. Los Tigres del Norte são uma banda considerada os Rolling Stones do narco-corrido: vendem milhões de discos, e seus shows, desde a década de 70, chegam a atrair 100 mil pessoas. Compositores importantes são Paulino Vargas (que tocou na banda Los Broncos de Reynosa), Chalino Sánchez (que já trocou tiros com a platéia durante um show, e foi assassinado em Sinaloa), e Mario Quinteros, líder da banda Los Tucanes de Tijuana.

O típico corrido é cantado em quadras ou sextilhas semelhantes às do nosso cordel: “Les cantaré este corrido / a dos hombres que mataron / sin tenerles compasión / vilmente los torturaron / y ya muertos con un carro / por encima les pasaron” (“El crimen de Culiacán”, de José Ignacio Hernández). Algumas histórias são engraçadas, como “Las Monjitas”, sobre duas traficantes que se disfarçam de freiras. O policial examina o leite-em-pó que elas dizem estar levando para os órfãos, e graceja: “Milagre, irmãs!... O leite virou cocaína!” Então: “Una dijo: me llamo Sor Juana / la otra dijo, me llamo Sorpresa! / y se alzaron el hábito a un tiempo / y sacaron unas metralletas / y mataron a los federales / y se fueron en su camioneta.” (“Las Monjitas”, de Francisco Quintero).

Não direi que os antigos cangaceiros e os atuais traficantes de drogas sejam a mesma coisa, mas não importa quem é o bandido, por que motivo se bate, ou que grupo social representa – sempre haverá algum poeta para celebrar seus feitos. Vai rolar muita água por baixo da ponte (e muito sangue por cima do asfalto) até que a crítica literária reconheça que uma coisa assim também é poesia; e que a crítica musical reconheça que isso também é música popular. Paciência, poetas do povo. Se até François Villon foi reabilitado, quem sabe um dia os narco-corridistas terão uma chance.

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