domingo, 9 de fevereiro de 2020

4548) A arte de matar uma galinha (9.2.2010)




A mãe arrepanhou as saias e sentou no batente da escadinha curta que descia até a terra do quintal.

O menino estava tentando encaixar de volta uma peça de madeira que tinha se soltado de um brinquedo. Ele sabia onde era, e como podia ser colocada de volta, só não tinha a destreza de fazê-lo, mas estava tentando.

Rik, rik, rik, rik. A faca foi amolada em impulsos rápidos, na aresta do degrau de pedra.

O menino sentiu o olhar dela, ergueu a cabeça e ficou de pé, largando o brinquedo.

A mãe estava ajeitando umas vasilhas. Olhou para ele, indicou com o queixo:

-- Pega aquela galinha ai. A que eu deixei solta.

As outras pareciam estar entendendo o que se passava, porque um frêmito medroso as agitava sem parar por trás das telas enferrujadas e das grades de bambu.

A galinha solta era uma mariscada de preto e branco, com um tronco vigoroso.

-- Vai fazer o que com ela?

-- Pare de perguntar uma coisa quando você já sabe. Só pergunte o que não souber mesmo. Vá, vá, deixe de dar maçada.

O menino deu alguns passos na direção da galinha. Na sua experiência até então, de brincadeiras de quintal, as galinhas entregavam-se com alacridade e boa fé às suas perseguições inocentes, que nunca davam em nada. Conduzi-la agora ao cadafalso, porém, era outra coisa.

Eu sei que vai se dar alguma coisa, diziam os olhos erráticos e apavorados da galinha. Seu instinto de presa devia ter alguns milhões de anos. Ela reconhecia o que estava para acontecer.

Rik, rik.

O menino avançou, a galinha espanejou suas penas e recuou meio metro, mas manteve-se de olho pregado nele, em guarda total. “Por que não foge?”, pensou ele.

-- E se ela voar por cima do muro? – perguntou.

-- Não voa – disse a mãe.

-- Eu já vi essa galinha subir mais do que a minha altura.

-- Por isso mesmo eu cortei a asa esquerda dela. Vá, agarre ela, bote moral.

-- E se ela me beliscar?

-- Você não é homem não? – E com o senso de humor temperando a impaciência: - Se fizer muita cera eu pego essa faca aqui e lhe capo.

A galinha descreveu alguns semicírculos salpicados de cocoricós. A cada vez se detinha. Mesmo que pudesse voar por cima do muro, talvez ela preferisse ficar ali, ativando os reflexos milenares do balé-da-presa, com o fatalismo resignado de quem nunca predou ninguém.

Um pulo, um engalfinhamento. Ao aviso da mãe ele agarrou, na primeira chance que teve, as duas asas numa mão só. Com a outra segurou o pescoço, para se prevenir contra o bico. Ali perto morava uma menina que perdeu um olho assim.

A ave parecia ter metade da altura dele.

Era trêmula, morna, e emitia um zumbido de vida própria, como o da geladeira. Ele a trouxe debatendo-se sem muita tática, e a deitou no batente. A mãe se soergueu com agilidade, plantou o pé descalço e sujo nas asas desiguais, maltratando um pouco. Era disto que a galinha parecia estar se queixando. Ela não imaginava nada depois dos maus-tratos que a incomodavam agora.

A mãe puxou a faca para perto, e o prato fundo de barro. Prendendo a faca na palma da mão direita, usou o polegar e o indicador em pinça para arrancar as penas do pescoço da ave, largando-as pelo chão, sem ligar.

A galinha gorgolejou. Com um gesto vigoroso da mão esquerda, a mãe puxou a cabeça da ave para trás, expôs o pescoço pelado e abrasivo. Com os dedos retesados da mão direita deu uma série ritmada de pancadas no pescoço.

-- Pra chamar o sangue -- explicou. -- Pegue o prato. Quando eu cortar, enfie o prato aqui, por baixo dela.

A faca desceu na carne avermelhada, nas cartilagens, fazendo brotar uma golfada rubra que o menino conseguiu recolher no prato. A força das golfadas foi diminuindo, diminuindo, e depois o intervalo entre elas foi aumentando.

O prato estava vermelho e refletia o brilho do céu lá fora.

Houve um gesto rápido, um ruído abafado como se alguém tivesse arrancado a cabeça de uma criatura.

A mãe se virou olhou para ele e disse:

-- Você não gosta tanto de cabidela?

-- Sim!

-- Não gosta tanto de comer no jantar aquele sangue cozido, que fica feito uma borracha escura, e você corta com a faca e espeta no garfo?

-- Sim!

-- Pois é tudo feito com isso aí. Traga, tenha cuidado.

A panelona dágua fumaçava. Já estava meio fumaçando quando ele tinha ido brincar no quintal. Quando nem ele nem ela sabiam ainda o que ia acontecer. Só a mãe.









2 comentários:

Fraga disse...

Clap, clap, clap!

GeorginA disse...

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