quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

4059) Eco, o humorista (25.2.2016)



Obituários recentes de Umberto Eco louvam o romancista, o semiólogo, o medievalista. Sem forçar muito a barra poderíamos louvar o humorista também. Eco escreveu numerosos textos de humor, textos destinados a extrair do leitor não a gargalhada, mas a risada, a risada de admiração, de incredulidade, de malícia, de susto, qualquer uma.  O humor produz uma reviravolta nas idéias (seja na lógica, seja na imaginação, seja na pulsão emocional) e puxa o tapete do leitor, fá-lo traçar no ar um zás-trás, e a risada é sua queda no chão. Um bom exemplo do humor de Eco é o seu texto sobre editores explicando por que recusaram obras como a Bíblia, a Recherche de Proust ou O Processo de Kafka.

No seu O Segundo Diário Mínimo (Record, 1994, trad. Sérgio Flaksman) Eco propõe os “Anagramas a Posteriori”, teste que consiste em baralhar as letras de um mesmo nome várias vezes, e “interpretar” os resultados, fazendo uma descrição cabível do personagem correspondente. Um calidoscópio de letras. O nome “Umberto Eco” é anagramado por Mário Giusti, que sugere exemplos como “Bruce O’Moet (nacionalista irlandês exilado em Reims no século XIX, fundador com Paul Chandon de uma célebre cave de champanhes)” ou “Toro Ecumbe (campeão sul-americano dos meio-pesados em 1953)” ou até “Buc Meteoro (personagem de histórias em quadrinhos dos anos 30)”. Os exemplos são numerosos e impagáveis. O jogo (proposto por Giusti) é encampado por Eco e por outros amigos, vira um torneio lúdico coletivo.

Não é humor narrativo, é humor enunciativo. No caso, com um ludismo verbal que proporciona ao autor a chance de desenvolver redes de associações verbais semiconscientes deflagradas pela junção de nomes próprios que trazem alusões étnicas, ou históricas, ou regionalistas, etc.  Isso é útil para quem, como romancista, tem que em cada obra inventar dezenas de nomes de personagens, nomes que podem até ser exóticos, mas precisam ser sempre nomes aceitáveis como de pessoas reais, no universo descrito.

Chamar o detetive de O Nome da Rosa de William de Baskerville não é apenas um alô-de-chapéu ao mito sherlockiano, é também trazer à cena Shakespeare, suas chacinas anunciadas, suas autoimolações. Dois autores popularíssimos, dois mitos ingleses cortando-se em cruz. Outros exemplos igualmente alusivos talvez passem batidos a boa parte dos leitores que não lhes conhecem as referências. A quantidade de imaginação e de esforço presente nessa brincadeira dos anagramas nos faz ver em Eco um espécie de Guimarães Rosa. Rosa tinha esse mesmo foco, e nenhum nome nas suas histórias deixa de trazer uma camada oculta de associações de idéias.




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