quinta-feira, 27 de agosto de 2015

3904) Neo Roman (28.8.2015)




Num texto antigo (“A Defence of Detective Stories”, 1902), G. K. Chesterton defende a teoria de que na vida urbana existe toda uma poética e todo um romantismo, não no sentido amoroso, mas no sentido de um mundo movido mais pela imaginação e o desejo do que pela observação e raciocínio. “A poesia da vida moderna”, como ele a chama, tem a ver, p. ex., com o olhar urbano, meio cínico e meio melodramático de Baudelaire sobre Paris. 

Diz GKC: “Essa forma de perceber a poesia que há em Londres não é pouca coisa. Uma cidade propriamente dita é mais poética do que o campo, porque, enquanto a Natureza é um caos de forças não-conscientes, a cidade é o caos das que o são”.  A argumentação dele é longa e variada; ilustra e reafirma essa visão. Ela já foi expressa sob a inequação de que o civilizado é superior ao primitivo, ou de que a capital é mais moderna que o interior; mas Chesterton sugere uma idéia melhor, do ponto de vista literário: a de que o mapa urbano é mais cheio de maravilhas, terrores e mistérios do que a vida entre as hordas primitivas.

Ele cita Sherlock Holmes, para quem o homem urbano vive um “romance do detalhe” onde cada telha de um teto tem um sinal característico, está coberta de informação, como se tivesse sido rabiscada com cálculos, de cima a baixo. A vida urbana é concentrada (milhões de pessoas), variada (classes, ofícios, etnias, ideologias, etc.) e sob pressão. O resultado é o romance de mistério, de aventura, de antecipação, de horror, de lição de abismo.

Diz ele: “A civilização é a mais sensacional das arrancadas e a mais romântica rebelião. (...) Quando num romance policial o detetive enfrenta sozinho, com um destemor que beira o cabotinismo, os punhos e os punhais de uma corja de assaltantes, isso decerto nos ajuda a relembrar que é o agente da justiça social que constitui a figura mais original e poética, enquanto os gatunos e os salteadores não passam de plácidos conservadores do velho cosmos, satisfeitos com a respeitabilidade imemorial dos lobos e dos gorilas.”

Deve ser por causa de tiradas desse tipo que GKC era ferrado como reacionário, pelos mesmos que consideravam o romance detetivesco, como gênero literário, um apologia à polícia, uma louvação de como a lei e a justiça controlam delitos individuais. A literatura policial, no entanto, é a romantização conjunta dos Holmes e dos Arsène Lupins, do Cavalheiro Dupin e de Fantomas, dos normalizadores e dos transgressores; uma classe não existe sem a outra. O Neo-Roman da cidade recobre da obra de Baudelaire e Rimbaud até a de Rubem Fonseca e de Chandler. São aqueles casos onde a sociedade é o surfista e o crime é o mar.

2 comentários:

ode aos deuses disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wandique disse...

"A cidade é moderna, disse o cego ao seu filho". Oitenta e 5 porcento (85%) da nossa população vive nas cidades: morar no campo é ser reacionário.