quarta-feira, 25 de março de 2015

3770) "Gimme Shelter" (25.3.2015)



O ano era 1969, e Merry Clayton era uma cantora profissional de Los Angeles que fazia vocais em estúdio e na banda de Ray Charles. Estava grávida, era cerca de meia-noite e ela já estava deitada com o marido quando o telefone tocou. 

Era um produtor pedindo para ela dar um pulo num estúdio e fazer um vocal, coisa rápida. Ela reclamou: “Cara, já estou deitada pra dormir, não vou mais sair pra trabalhar uma hora dessas.”  O produtor insistiu, disse que seria bom pra carreira dela, e pagava bem. 

O marido pegou o telefone para discutir com ele, falou, ouviu, ouviu, aí desligou e disse: “Merry, é melhor você ir. Vai ser bom pra sua carreira”.

Ela vestiu uma capa e, de bobs no cabelo, foi direto para o estúdio, onde foi recebida pelos Rolling Stones, que estavam gravando “Gimme Shelter”. 

Quem conhece bem a música deve lembrar aquela voz feminina rasgada, lancinante, no refrão: 

"War, children, it’s just a shot away, it’s just a shot away... 
Rape, murder, it’s just a shot away, it’s just a shot away...”  

É uma canção dark, falando da guerra, da brutalidade da época, da violência onipresente.  Sentada num banquinho (“minha barriga estava muito pesada”), ela gravou três takes do vocal, onde sua voz dobra com a de Mick Jagger, e foi pra casa.

Acho difícil traduzir esse refrão. “It’s just a shot away” significa mais ou menos “está a apenas um tiro de distância”. Seria algo como: “Pra guerra, rapaziada, só falta um tiro”. Para o estupro, para o assassinato, só falta um tiro. Só falta “um tantinho assim”. 

Os Stones amenizam a mensagem no final, dizendo: “Love, sister, it’s just a kiss away”: “para o amor, minha irmã, só falta um beijo”. Concessão aos tempos do “Paz & Amor”? Pode ser, mas “Gimme Shelter”, uma das canções mais fortes da banda, não ficou marcada como uma canção de alto astral, e sim como uma canção de “os tempos estão sombrios”.  Como o “Cálice” de Chico & Milton, e tantas outras dos nossos tempos de ditadura.

Aqui neste link (http://tinyurl.com/ldz24jj) é possível ouvir a música, a faixa somente com a voz de Merry, e uma entrevista de Jagger onde ele lembra o episódio. 

Foi bom pra carreira de Merry? Difícil dizer, mas tornou-se a performance mais famosa dela. A história, contudo, não teve propriamente um final feliz. A hora tardia e o esforço desgastaram Merry Clayton, e pouco depois da gravação ela perdeu o bebê. 

“Foi um período muito sombrio para mim,” disse ela, “mas Deus me deu forças para superar. Dei a volta por cima. Encarei isso como parte da vida, do amor, da energia, e desviei noutra direção, de modo que hoje não me incomoda cantar ‘Gimme Shelter’. A vida já é muito curta e eu não posso viver no passado.”







2 comentários:

Anônimo disse...

As pessoas às vezes são ingênuas, não sei...Mas Satã não é exatamente "bonzinho"!...

Anônimo disse...

Mas será que ela perdeu o filho somente pelo episódio? Isso é fato, ou é mais uma daquelas lendas do rock?
Onofri