terça-feira, 3 de março de 2015

3751) O Sr. Spock (3.3.2015)



(Spock, por Ellygator)


Nunca assisti Jornada nas Estrelas (“Star Trek”) na época em que deveria ter assistido.  Se o tivesse feito, a série estaria protegida pelos mesmos habeas-corpus afetivos que beneficiam Quinta Dimensão, Além da Imaginação e outras.  Só comecei a ler a seu respeito quando em 1981 pus a mãos na Encyclopedia of Science Fiction (Nicholls/Clute) e fiquei sabendo do seu imenso sucesso.  Vi alguns episódios ao acaso, vi 2 ou 3 longas-metragens feitos depois, mas, não, não posso dizer que sou um fã de Star Trek.  Olho suas qualidades (são várias), anoto suas limitações (idem), avalio tudo com olhos de crítico, com um olhar de não-fã, um olhar distanciado, brechtiano.  O olhar (só agora me ocorre isto) do Sr. Spock.

Spock (cujo ator, Leonard Nimoy, faleceu dias atrás aos 83 anos) era um Vulcano, um humano pertence a uma raça que, pelo que entendo, não exterioriza suas emoções.  A frieza de Spock, sua postura imperturbável, tinham algo do não-sorriso permanente de Buster Keaton, do cerebralismo autoconfiante de Sherlock Holmes, do pragmatismo calmo de tantos robôs na história da FC.  A discussão a seu respeito ia de “ele é incapaz de emoções” até “ele se emociona mas aprendeu a não demonstrar”.

A indústria cultural se baseia no estímulo às emoções.  Excluam as emoções e escutem o desmoronamento do cinema, da TV, da música, da literatura popular.  Se esse comércio todo tivesse que se basear na lógica, na frieza e no raciocínio que Spock representava, não passaria de uma barraca de fundo de quintal.  O mundo é emoção, e Spock se destacava por contraste. Ele é frio e lógico. Consegue analisar problemas, em situações de emergência, como se fosse algo meramente formal, algo de que não dependesse a sobrevivência da Enterprise e a dele próprio.  Na política, talvez procure uma posição em que a brasa possa aquecer por igual as sardinhas disponíveis.

Uma parte dos admiradores de Spock são todos aqueles nerds que, como eu, já pagaram algum mico por não saberem controlar as emoções. Já meteram os pés pelas mãos, quebraram a cara, produziram episódios de grosseria ou descontrole; e ficaram depois, com a cara enterrada no travesseiro, jurando a si mesmos que da próxima vez não se deixariam manipular daquela forma.  E uma parte vem das fãs femininas, para quem a imagem de um homem totalmente apolíneo é O Grande Desafio de suas vidas. Será que ele é assim, indiferente, apenas “por que ainda não achou a garota certa”?  Toda trekkie adolescente já alimentou essa fantasia de ser um dia “a mulher que fez o Sr. Spock balbuciar de paixão, confessar seu amor, dizer que está morrendo de saudade”.

4 comentários:

Unknown disse...

Muito bom. Quem nunca reagiu do calor do momento e fez uma m...grande? Hoje na maturidade consigo pensar (mais) e esperar.

Paulo Rafael disse...

Não passava Star Trek por aqui, no Brasil, mas éramos fãs de Perdidos no Espaço, Terra de Gigantes e Túnel do Tempo.

Zulmira disse...

Eu assistia “Star Trek” (Jornada nas Estrelas) regularmente. O fascínio a respeito de Spock tem a ver com o fato de que ele era sim capaz de sentir emoções (característica herdada de sua mãe humana) porém se autodisciplinou ao extremo para não demonstrá-las e assim honrar a conduta do povo vulcano, ao qual pertencia o seu pai. Dessa maneira havia uma constante tensão subterrânea sobre o seu permanente autocontrole e uma admiração -- por que não dizer inveja? -- quanto a essa difícil capacidade (que todos nós gostaríamos de ter).

Fraga disse...

Bah, será que a figura assexuada do dr Spock, feiura apática e ausência de charme espiritual (carisma havia) exerceria atração física em alguma fanzoca? Só se fosse por suposição fantasiosa duma genitália vulcânica (sem perdão do trocadilho). O que importa é que o ícone vai ficar no imaginário até de quem não tem empatia com a série, como eu. Belezura de txt, Braulio!