Foi altamente constrangedor aquele fim de semana, um mês
após a morte do Dr. Medeiros, em que fomos todos convidados para a casa da família
em Mury, para a leitura do testamento.
Por que não faziam aquilo no apartamento do Leblon, meu Deus? Eu era
genro tinha que ir, até porque havia uns primos velhos que só estavam ali
porque (segundo meu concunhado Anchieta, casado com a irmã de minha mulher)
queriam pegar nem que fosse uma raspa do tacho, e achavam que estando presentes
à abertura do testamento poderiam influenciar o modo como ele tinha sido
redigido há pelo menos dois anos.
Pudessem ou não, não conseguiram. No dia e hora aprazados, a
família inteira coreografou sua chegada em Mury, foram as instruções
obedecidas, foi o cofre aberto, foi o
testamento lido pelos advogados, com gravação em HD e testemunhas juramentadas.
O grupo de causídicos direcionou o óbvio na direção do inevitável. Talvez seja
medida do meu “ennui” registrar que duas ou três famílias fizeram naquela breve
tarde de sábado sua independência financeira com a merreca herdada, mas eu nem
pensava nisso. Só pensava em quem teria assassinado o velho.
Todos podiam e gostariam de tê-lo feito. Faço parte desta
família há catorze anos. O pior não é que fossem hipócritas. Não eram. Não é
que dissessem que amavam o paizinho quando na verdade mal podiam esperar que
ele batesse-o-trinta-e-um e deixasse para eles todas as escrituras, as ações e
os rendimentos que tinha. De fato o tinham amado, mas quando a morte se
prenunciou todos pensaram rapidamente no equilíbrio de suas contas bancárias,
na pá-de-cal em velhos compromissos, no cala-a-boca em certo nível de credor
que começava a ficar inconveniente. Ninguém deve tanto dinheiro quanto os
ricos. E de repente tudo estava possível, ao alcance de uma assinatura.
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