terça-feira, 22 de abril de 2014

3479) O navio fantasma (22.4.2014)



A morte de Garcia Márquez me deu aquela tristeza de saber que nunca mais ouvirei falar sobre “o mais novo livro de Garcia Márquez”.  Geralmente, compenso esse efeito melancólico com a lembrança de que não li a maior parte do que o autor escreveu, então, bem ou mal, quando eu pegar para ler O veneno da madrugada ou Doze contos peregrinos é como se fosse um livro com a tinta ainda úmida.

Fui dar uma relida nos textos dele online e me bati com um pequeno mistério, que aproveito para dividir.  GGM tem um continho curto que é uma beleza, “A última viagem do navio fantasma”, um daqueles contos de parágrafo único que nos arrebatam da primeira à última palavra e se transformam numa pequena epifania literária. É a história de um menino num povoado à beira-mar que vê passar um navio fantasma (que somente ele vê) o qual acaba afundando; isso se repete todo ano, na mesma data, e ele pensa que é a reconstituição sobrenatural de um fato ocorrido num passado remoto.

Não tirarei de ninguém o prazer da leitura dessa joiazinha de apenas 2 mil palavras (dá mais ou menos a extensão de 4 artigos como este), num fluxo de imagens que aqui lembram Ray Bradbury, ali Mario Quintana, mais adiante Marc Chagall ou Fellini. No final (que não revelarei), o menino tem um vislumbre do nome do navio, quando o descreve: “...veinte veces más alto que la torre y como noventa y siete veces más largo que el pueblo, con el nombre grabado en letras de hierro, balalcsillag...”.

Nome esquisito, que parece inventado, não é mesmo?  Mas hoje temos São Google, em cujo altar dou minhas clicadas cotidianas. Lá vou eu perguntar pelo nome. Praticamente todas as respostas se reportam ao conto de Márquez, que é reproduzido mundo afora em várias línguas. Mas no alto da página o Google faz aquela ressalvazinha robótica de sempre: “Você quis dizer ‘halálcsillag?”. Era tão parecido que eu cliquei, pensando, “sim, digamos que foi isso mesmo”.

Fui dar numa página cheia de que? De reproduções da “Estrela da Morte”, a Death Star de Star Wars. “Halálcsillag” (começando por um “H” e com um acento no segundo “A”) é o nome da Estrela da Morte em húngaro (magyar)!  Que coincidência é essa? A Wikipédia em espanhol dá a data do conto como sendo 1968, ou seja, muito antes do filme de George Lucas, e a publicação em livro foi no volume A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada, que é de 1972. Não tenho o livro, não sei se nas traduções se mantém esse nome (é nas últimas linhas do conto). A questão é: Por que motivo o nome do navio gigantesco do conto de Márquez é quase igual ao nome da Death Star em húngaro? Hipóteses serão bem vindas.


4 comentários:

Gustavo disse...

Aqui há uma discussão em russo sobre a mesma questão, conforme o tradutor do google:

http://nepoma.livejournal.com/1058642.html?thread=4236370

A conversa data de dois dias após o falecimento, mas ainda não rendeu muito.

Gustavo disse...

Já li o conto, mas não lembro, ele menciona a origem do navio?

García Márquez foi para a Europa em 1955, e em seguida viajou por alguns países socialistas, incluindo a Hungria. A partir de 1957 saíram suas famosas reportagens sobre os países socialistas (reunidos no vol. 3 da sua obra jornalística, editora Record). Ainda assim, não é possível firmar nenhuma relação, a não ser que o navio fantasma que aparece no Caribe seja húngaro, algo assim.

Gustavo disse...

E pra piorar, a Hungria não tem mar, fica no meio do continente.

Gustavo disse...

Exceto pela marinha da Áustria-Hungria, que existiu até 1918, o que provavelmente fecha com o conto.