terça-feira, 19 de novembro de 2013

3347) Erros de tradutores (19.11.2013)




Volta à imprensa e às redes sociais a discussão sobre erros de tradutores, em função de alguns livros recentes. Como passo 4 ou 5 horas por dia amarrando esse tipo de pingo dágua, me conforta perceber que não sou o único que erra, que erros podem ser perdoados, e que o mundo não se acaba quando a gente paga um mico.

Cito um post no Facebook da tradutora Denise Bottmann, figura exigente e respeitada na profissão: “A gente erra: seja o erro de ler errado, por distração, seja o erro de não saber direito o sentido e trocar alhos por bugalhos, seja o erro qualquer erro, errado em suma. Nenhum leitor deveria, sugestão minha, esperar uma plena reconstituição / restituição / recriação etc. do original, claro, mas tampouco esperar algo prístino, imaculado, impecável. A gente erra. Não de vez em quando, uma vez a cada morte de papa. Não, erra sempre, o tempo todo, seja aquela coisa mais crassa, idiota mesmo, seja aquela distração imperdoável, seja aquela simplificação grosseira ou qualquer outra coisa”.


Entre os resenhadores da imprensa, virou um hábito escolher o pior erro do tradutor para denunciar em público. (Poucas vezes vejo um resenhador abrir um parágrafo só para destacar um grande acerto, uma solução feliz encontrada pelo tradutor.) O desprestígio da profissão conduz a um círculo vicioso. Os erros se multiplicam graças à presença de centenas de pessoas mal preparadas, verdes, que traduzem porque precisam de dinheiro ou porque “moraram dois anos nos EUA e sabem inglês”. Alguns desses até poderiam virar bons tradutores, com o tempo, mas foram ridicularizados num caderno literário e desistiram. (Conheço casos.)

Um tradutor não é uma pessoa “que sabe inglês” (ou o que for). É um escritor. Quem não é escritor, jamais traduzirá. Escritor (tradutor) de literatura, de humanidades, de livros técnicos, de filosofia, de poesia: cada ofício destes exige talentos diferenciados. E sempre sabendo que o que estamos produzindo não é, nunca, um equivalente perfeito do original. A tradução é um jogo onde se perde o tempo todo, onde é proibido ganhar, e onde o teto possível é o empate.

O pior erro, aliás, não é nem quando a gente “come mosca” e não vê. É quando ocorrem certas coisas que somos incapazes de resolver de uma maneira melhor, e vão para a página assim, mancas, falhadas, porque não podemos deixar aquela linha em branco e não conseguimos encontrar (nem mesmo recorrendo aos amigos) uma solução satisfatória. O que fazer? Admitir o fracasso, assimilar a perda, respirar fundo e encarar o próximo parágrafo, com a esperança de que os próximos mil acertos insignificantes ajudem a curar aquela ferida, que é só nossa.


2 comentários:

Nina Carolina Guimarães disse...

Adorei o seu post, Braulio. Temos que nos lembrar mais vezes que somos humanos e erraremos; não como uma justificativa para o erro, mas uma constatação da nossa natureza e só. Podemos trabalhar duro para tentarmos alcançar a perfeição, com a consciência de que poderemos errar e aprender com o erro.

Debbie disse...

Excelente, Braulio! Obrigada.