terça-feira, 28 de maio de 2013

3197) Os Tronos do Sertão (28.5.2013)






A série Game of Thrones (canal HBO) exprime uma tendência atual da Fantasia Heróica de língua inglesa, que surgiu como uma resposta moderna às Novelas de Cavalaria que mostram heróis imaculados e vilões sórdidos, e a luta metafísica entre um Bem idealizado e um Mal pouco sedutor. 

Aos poucos, a Fantasia foi absorvendo o realismo psicológico do Romance Histórico. Um gênero menos moralista e mais pragmático, onde os personagens não têm ideais e sim interesses, e onde tanto um herói quanto um vilão são, no dizer de Olavo Bilac, “capazes de horrores e de ações sublimes”.

O paralelismo com a política moderna emerge a cada passo. Quando Tyrion Lannister examina as contas dos Sete Reinos e descobre o seu gigantesco endividamento, ele se queixa da imprudência do ex-chefe da Casa da Moeda, Lord Baelish: “O ouro dos Lannister vem das nossas minas, mas o ouro dos Reinos é criado por ele simplesmente estalando os dedos”. 

Quem escreveu isto sabe que a bolha financeira, muito maior que o planeta Terra, em cuja superfície estamos construindo nossa economia de superconsumo e superdesperdício, foi criada exatamente assim.

Em sua trama para tornar-se rainha, Margaery Tyrell promove “trabalhos assistenciais” junto aos descamisados de King’s Landing, alimentando os pobres. 

Na cena magnífica em que ela convence seu noivo, o Rei Joffrey (odiado e desprezado por todos) a chegar à sacada, o Rei fica desnorteado ao receber uma gigantesca ovação, e mais ainda ao perceber que a ovação não é para ele, é para ela, que a multidão adora. “Don’t cry for me, King’s Landing”: faz tempo que eu não vejo a história de Evita Perón sintetizada com tanta nitidez.

Quem é heróico ali? Ninguém. Todos são como nós. Os personagens mais éticos (Ned e Robb Stark, p. ex.) são forçados pelas circunstâncias a atitudes suicidamente ingênuas ou a decisões cruéis. Os mais divertidos e cheios de recursos, como Tyrion, estão mais próximos da crueldade de Cancão de Fogo do que da pureza de Sir Galahad. 

É uma história de clãs sertanejos, de famílias em luta pela terra, de alianças e rompimentos, de ódios que se incendeiam ao som de um sobrenome. Uma história de “potentes chefias”, como dizia Guimarães Rosa, e que tem uma ressonância especial a quem leu ou folheou uma obra como o colossal estudo de Linda Lewin, Política e Parentela na Paraíba (Ed. Record, 1993). 

Porque nosso belo e sofrido Estado tem sido criado e destruído, sucessivamente, pelas guerras ancestrais, pelas alianças traiçoeiras e os matrimônios turbulentos entre os Lannister, os Stark, os Targaryen, os Greyjoy, os Baratheon, os Tyrell, os Frey, os Tully...






2 comentários:

Daniel disse...

Braulio, antes do Game of Thrones, tivemos o Zelazny, Robert E Howard, Moorcock, o saudoso, falecido a pouco, Jack Vance e tantos outros...

Braulio Tavares disse...

Claro. Mas nessa minha coluna do Jornal da Paraíba me dirijo a um público que certamente não conhece esses autores, e talvez conheça a série, que passa na TV a cabo.