Na filmografia sobre rock, este filme de Peter Watkins
(Privilege, 1967) é um título obscuro, um desses filmes que eu às vezes
imagino ser a única pessoa que assistiu. Consegui agora uma cópia; e lamento
que ele não seja mais conhecido, porque é um momento importante numa linhagem
de filmes que exploram o potencial fascista, controlador, orwelliano do
rock-and-roll. Em meu livro O Rasgão no Real (Ed. Marca de Fantasia, João
Pessoa, 2005) coloquei-o numa lista que incluía Tommy de Ken Russell (1975), Pink Floyd – The Wall de Alan Parker (1982) e This is Spinal Tap de Rob
Reiner (1984). Filmes que fazem com o rock o que os livros de Richard Dawkins
fazem com a religião. Precisa ter muita fé pra continuar gostando.
Watkins
ficou famoso com seu filme The War Game (1965), chamado de “docudrama” pelo
seu estilo semijornalístico de contar uma história. “Privilégio” também utiliza
esse artifício, mostrando-se como uma reportagem de TV sobre o roqueiro Steven
Shorter, entrevistando seus empresários, assessores, etc., e cobrindo
jornalisticamente tanto os seus shows quanto as reuniões do seu “staff”,
coquetéis, entrevistas coletivas, etc.
Shorter,
interpretado pelo cantor Paul Jones, tem, curiosamente, aquele misto de
fragilidade, obstinação e angústia que transparecia muitas vezes em Ayrton
Senna, com quem se parece fisicamente. Existe algo de caricatural na expressão
continuamente sofrida do ator, mas a verdade é que ela corresponde de perto a
sua “persona” no palco (que envolve encenações masoquistas, com ele sendo
preso, algemado, espancado pela polícia, etc.).
Há
uma cena hilária em que ele aparece num comercial de TV (na verdade uma
propaganda do Ministério da Agricultura) incentivando a população a comer
maçãs. É um troço extremamente kitsch, mas não muito diferente de várias coisas
que os Beatles estavam sendo obrigados a gravar na mesma época. O melhor do
filme são as sequências em que Shorter se torna garoto propaganda da Igreja,
numa campanha conjunta com o Governo, para induzir os jovens ao conformismo
político, com cenas que (li em alguma parte) são minuciosamente copiadas de O
Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl. Alguns críticos viram nele uma
premonição da Inglaterra de Margaret Thatcher.
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