domingo, 11 de novembro de 2012

3028) Os direitos de Faulkner (11.11.2012)



(William Faulkner)


A Sony Pictures está sofrendo um processo por parte dos herdeiros de William Faulkner por causa de uma frase do autor que aparece no filme “Meia Noite em Paris” de Woody Allen.  A frase é a famosa “The past is not dead. It’s not even past” (“O passado não morreu. Na verdade, ele nem sequer passou”.) Quando vi essa notícia, gelei, porque eu mesmo já devo ter citado essa frase mais vezes do que Woody Allen. Toda vez que o porteiro me entrega a correspondência, o primeiro envelope que procuro é o da intimação judicial. 

O texto enviado à Sony reclama que a produtora não pediu autorização para citar esta frase, e diz: “O uso desta citação irregular e do nome de William Faulkner nesse filme tende a causar confusões, a causar equívocos, e/ou enganar os espectadores do filme infrator levando-os a supor uma afiliação, conexão ou associação entre William Faulkner e sua obra, de um lado, e a Sony, do outro”. Isto equivale, grosso modo, àquelas cenas em que um pirralho pega o trenzinho do outro para brincar, e o outro imediatamente arrebata de volta o trenzinho e o desce com força na testa do provocador.

Fiquei mais tranquilo quando vi que o filme arrecadou 94 milhões de dólares. O que recebo no Jornal da Paraíba não chega nem à metade disso, de modo que eles provavelmente irão concentrar seus esforços em cima do pobre Woody.  Isto me lembra o episódio de um álbum de fotografias que foi embargado aqui no Brasil pelos herdeiros de Manuel Bandeira, que se queixavam de não ter recebido nem um tostão pelo fato do poeta aparecer em uma das centenas de fotos que havia no álbum.

Se isso é “direito autoral”, amigos, a minha vontade, a cada ano que passa, é arranjar um emprego burocrático (sou bom datilógrafo!) e liberar tudo que escrevi até hoje, desde que seja para uso não-comercial. Qualquer um pode gravar minhas músicas ou imprimir meus textos, desde que ninguém ganhe dinheiro com isso. Direitos autorais são uma coisa muito justa quando exprimem a remuneração de um autor pelo seu trabalho intelectual e físico (sim, escrever envolve esforço físico), e ajudam a pagar suas despesas. Faulkner ganhou o bastante, em vida, para beber tudo a que tinha direito. As frases que escreveu se impregnaram na nossa linguagem diária (até na minha, imagine só, eu que nunca li um só livro dele). A presença da frase de Faulkner não influiu na bilheteria do filme de Allen, que com frase ou sem frase seria exatamente a mesma. Agora... 94 milhões são 94 milhões, né? Acho que vou ver o filme de novo, e vou entrar com um processo se Owen Wilson disser “eu vi o céu à meia noite se avermelhando num clarão”.

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