sexta-feira, 9 de março de 2012
2813) A mão de tinta (9.3.2012)
(Ezra Pound, por Wyndham Lewis)
Existe hoje um frenesi de novidade, de originalidade, de ter que estar todo dia fazendo alguma coisa pela primeira vez. Não nego a importância da primeira vez. Tudo tem que nascer em algum ponto, tem que começar em algum ponto. Mas a segunda vez é tão importante quanto a primeira.
Lembram daquele lugar comum da crítica, “o segundo disco (filme, romance) é mais difícil de fazer do que o primeiro”? Se é mais difícil (e muitas vezes é mesmo) é porque essa segunda vez pede alguma coisa que a primeira não pôde dar, e não poderia.
Muitas coisas na cultura são como a pintura de uma casa, onde geralmente não basta dar uma mão de tinta, tem que dar depois a segunda, a terceira. À tinta não basta estar ali, precisa estar ali com mais peso, mais espessura, não só para não largar, como também para que sua luminosidade e sua cor sejam vistas com mais firmeza.
(Não sabemos, mas quando vemos uma parede bem pintada vemos essas várias camadas sobrepostas de cor, umas através das outras, porque a luz as atravessa e se reflete várias vezes simultâneas por entre elas.)
A segunda mão de tinta vem para salvar a primeira, a terceira vem para salvar a segunda. Como o tempo deixamos de perceber que são muitas, parecem uma só, e a intenção é esta.
De modo parecido, nas artes e nas culturas as coisas têm que ser ditas muitas vezes e por muitas vozes. Quanto mais pessoas aderem a uma nova forma de dizer, mais espessa e mais visível ela vai ficando, muito mais do que se tivesse se limitado à contribuição daquele criador solitário.
O que seria a Bossa Nova se tivesse tido apenas João Gilberto, o Cinema Novo se tivesse tido apenas Glauber Rocha, o baião se tivesse tido apenas Luiz Gonzaga? Cada artista que se deixou contaminar pela obra destes e criou sua própria obra seguindo seus passos deu uma mão de tinta a mais no que estava sendo feito.
É por isto que os chamados movimentos estéticos (Cubismo, Nouvelle Vague, Surrealismo, Folk-Rock, Expressionismo, etc.) se impõem com mais solidez na História. São compostos de um gesto inicial de um Inventor (no sentido que Ezra Pound usava: o que cria formas novas de fazer) e de gestos consecutivos de Mestres (o que não inventa, mas consegue fazer aquilo talvez até melhor do que o Inventor).
Quando a crítica se queixa de que “todo mundo agora está indo na onda de Fulano” pode até exprimir um descontentamento legítimo diante de obras medianas e pouco inventivas, mas não deve fechar a porta a essas novas contribuições. Quem vai ajudar a fixar na memória do tempo a obra de Fulano são aqueles que tentaram suplantar Fulano num momento em que todos estavam mergulhados num impulso único pelo novo.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário